São Paulo, terça-feira, 7 de junho de 1994
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Burle Marx foi o paisagista e artista apaixonado

RUY OHTAKE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma vez viajamos, Burle Marx e eu, para a Amazônia. Foi em 1979. Durante 10 dias, o barco nos levou Rio Negro acima. Navegando durante a noite e caminhando pela mata durante o dia. O sol mal conseguia atravessar as copas e os galhos da floresta: uma tênue luz marcava as silhuetas nossas e dos longos troncos das árvores. Contrastava com o altíssimo grau de umidade, tornando o calor muito pesado.
Aí surgia o Burle Marx apaixonado. Sem idade, como todo artista. Seu entusiasmo, beirando a sofreguidão, observando a organização da natureza ou detalhes de plantas parasitas, que sempre o cativaram. O entusiasmo de quem a vida aí se identifica. A permanente curiosidade do artista. A familiaridade de quem conhece botânica. E a alegria quando encontrava algo que o surpreenda: "Essa bromélia é muito rara", dizia, e cuidadosamente recolhia.
Recolheu tanto, que no regresso, em Manaus, teve que contratar um caminhão para levar tudo ao sítio de Guaratiba, no Rio de Janeiro.
Burle Marx pintava e desenhava todos os dias. Pela manhã, em seu sítio. Produção gigantesca. A permanente inquietação do artista impulsionava o paisagista, que projetava, à tarde, em seu escritório nas Laranjeiras. Igualmente com enorme vitalidade criativa. Resultou em projetos paisagísticos de muita força e personalidade.
A componente pintura foi fundamental. Deu-lhe a exuberância que nenhum paisagista contemporâneo tem. Toda essa exuberância não poderia ficar contida em pequenos espaços.
Transbordou para as grandes áreas urbanas, onde estão seus trabalhos mais significativos. Organizou os grandes espaços urbanos com jardins e parques, com um redesenho da natureza, controlado. Como controladas são suas pinturas, organizadas pelo traço que domina o espaço de tela.
É o paisagista de cidade: o Aterro do Flamengo, Parques de Brasília, Parque del Este de Caracas. Parque Ibirapuera, já tão mexido, em São Paulo (porque não reconstituir o paisagismo do Ibirapuera de acordo com o projeto original de Burle? Seria uma medida necessária que daria especial significado ao tombamento do Parque).
A relação de Burle Marx com a arquitetura foi de muito respeito. Procurava sempre entender o projeto arquitetônico, para então propor seu paisagismo. Sem solicitar alteração ou provocar distorção. Uma postura claríssima, que mesmo paisagistas mais jovens, frequentemente não têm.
Fizemos, juntos, alguns trabalhos. O Pavilhão de São Paulo na Feira de Osaka, no Japão, há cinco anos. Várias residências, como as de José Egreja e Luiz Izzo. O Parque Ecológico do Tietê, que o equivocado esquema de o poder público administrar por quatro anos impediu a implantação do belíssimo projeto paisagístico de Burle. E, agora, preparávamos para ele iniciar o paisagismo do Renaissance Hotel, em construção em São Paulo.
Seus anteprojetos e também os detalhamentos sempre foram expressivos desenhos. "Um jardim para ficar bonito, deve ter, antes, desenhos bonitos", dizia Burle Marx. A constância prioritária da criação inovadora. Em qualquer circunstância. É a digna e forte presença de Roberto Burle Marx.

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