São Paulo, terça-feira, 7 de junho de 1994
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Pesaro procura o cinema do século 21

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Em 1994, o Festival do Cinema Novo de Pesaro (pronuncia-se Pésaro), na Itália, rompe com a tradição: pela primeira vez em 30 anos de existência institui uma mostra competitiva. "É a primeira e provavelmente a última", explica o diretor-geral do festival, Adriano Aprà.
Aos 53 anos, Aprà acumula funções: é um respeitado teórico de cinema, programador e diretor de festivais desde os anos 60, cineasta bissexto, curador da obra de Roberto Rossellini (1906-1977, o criador do neo-realismo e um dos responsáveis pela existência do cinema moderno tal como se conhece).
Aprà pretende fazer de 1994 em Pesaro um ano de prospecção. Quer procurar, na mostra que se realiza entre 17 e 24 de junho, o cinema do próximo século.
Ao mesmo tempo, será realizada a mostra "100 Anos de Cinema Novo", grande painel do primeiro século de cinema com filmes que, segundo Aprà, sintetizam a idéia do cinema como uma arte baseada na experimentação.
Nesse panorama, haverá desde um filme desconhecido realizado por King Vidor em 1924, até três trabalhos recentes de Godard (que estará presente ao festival), passando pelos brasileiros Humberto Mauro e Mário Peixoto.
Em entrevista à Folha, por telefone, Adriano Aprà detalha suas idéias sobre o festival, os problemas e perspectivas do cinema contemporâneo. E, sobretudo, reafirma sua crença num cinema de invenção, que se oponha à padronização da indústria.

Folha - Por que Pesaro passará por mudanças em 1994?
Adriano Aprà - Pesaro nasceu em 1965, quando a noção de cinema novo também era nova. Os festivais eram só para grandes filmes, para autores conhecidos. A idéia foi fazer um festival de autores que ainda estavam por ser descobertos.
No início, fazíamos um panorama internacional de filmes. Essa idéia começou a ser imitada em outros festivais. Consideramos que nossa função havia sido cumprida e, no fim dos anos 70, optamos por mostras dedicadas a países. Em 1994 vamos promover uma mostra competitiva que visa atualizar nossa idéia. É a primeira vez que isso acontece, e provavelmente a última.
Folha - O que procurou como diferencial em relação a outras mostras competitivas?
Aprà - São filmes desconhecidos internacionalmente. Os oito estão no espírito de Pesaro, isto é, são filmes inovadores, de qualidade e não de grande espetáculo. Vários deles são na primeira pessoa, como "Time Indefinite", de Ross McElwee (EUA), que é uma espécie de diário íntimo.
Acho que se pode ver isso também em "Alma Corsária". Não é um filme perfeito e uma coisa de que eu gostei muito é justamente que ele não tenta ser perfeito. Em compensação, experimenta todo o tempo, procura algo e ao mesmo tempo procura a si mesmo. A impressão final é de algo vivo. Não sei como vocês recebem isso no Brasil, mas para um estrangeiro fica também a idéia de um país muito vivo.
Folha - Quais os critérios que o sr. adotou para escolher os filmes da retrospectiva dedicada aos 100 anos do cinema?
Aprà - A mostra chama-se "Cem Anos de Cinema Novo". É uma espécie de mostra panorâmica sobre a história do cinema em vários países.
A idéia é procurar filmes de todos os tempos, do mudo ao cinema recente. Serão filmes pouco conhecidos internacionalmente, que serão propostos como filmes a ver, no futuro, como inovadores em sua época.
Folha - Por exemplo?
Aprà - Dos Estados Unidos, por exemplo, virá "Wild Oranges", um filme de 1924, de King Vidor, e "God Step Children"um filme de 1937 de um cineasta negro praticamente desconhecido, Oscar Micheaux.

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