São Paulo, terça-feira, 7 de junho de 1994
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A verdadeira face do PT

ALBERTO GOLDMAN

A verdadeira face do PT
Dois episódios recentes nos obrigam a uma reflexão sobre a conduta e as concepções do PT. Não fosse o seu candidato um forte concorrente à Presidência da República, os episódios teriam impacto desprezível. No entanto, por estarmos diante da possibilidade de um governo petista dirigindo a nação, a questão assume contornos preocupantes.
Episódio nº 1. Cenário, São Bernardo do Campo (SP). Lula utiliza-se de carro de som do Sindicato dos Metalúrgicos para comícios eleitorais. Reação dos adversários e de autoridades do sistema judiciário: é ilegal! Resposta de Lula e dos petistas: pode ser ilegal, mas é justo.
Episódio nº 2. Cenário, Jacareí (SP). Homenagem na Câmara Municipal à sra. Alaíde Quércia. Faixas na Câmara de conteúdo político/eleitoral. Denúncia do PT, alegando ilegalidade do ato. O juiz manda cercar a Câmara pela Polícia Militar e centenas de pessoas são detidas por horas, inclusive autoridades locais.
No episódio de São Bernardo, o PT entendeu que, ainda que a utilização do carro de som fosse ilegal (e é pela lei eleitoral em vigor), era "justo" que fosse usado. E o que é justo está acima da lei.
Em Jacareí, o PT entendeu que o ato era ilegal (de fato, as faixas de cunho eleitoral ferem a lei) e decidiu que era "injusta" a realização do ato promovido pelo PMDB, apelando à sua repressão, ainda que o PT tenha realizado atos no mesmo local.
O resultado foi a Câmara Municipal de Jacareí cercada pela PM, portas trancadas e fortemente cuidadas pelos soldados, com os convidados sem poderem sair. Situação nunca vista, sequer nos momentos mais difíceis do período autoritário.
Imaginemos este último cenário transportado para São Bernardo. O PMDB denuncia o uso do carro de som e este, com Lula e seus companheiros, é cercado pela PM! Escândalo nacional! Repressão! Ditadura!
O grave nos episódios não foi a transgressão da lei. Leis recentes necessitam um aprendizado, pois proíbem condutas tradicionais. O grave é o que está no cerne das concepções do PT, partido que chega próximo ao exercício do poder nacional.
Segundo este partido, as leis só devem ser cumpridas quando são "justas". E quem define se são justas ou não? Claro que o PT, que representa a verdadeira vontade popular, que expressa "a verdade" quase divina!
Não imagine, sr. leitor, que estas concepções sejam apenas um lapso, um arroubo partidário. No passado, alguns setores da esquerda conceituavam abertamente a democracia representativa, "a democracia burguesa", como um instrumento de dominação da classe dominante, a burguesia.
As leis eram, segundo esta concepção, elaboradas pela burguesia e os instrumentos de repressão perpetuariam as injustiças na sociedade.
Assim sendo, as leis só deveriam ser respeitadas se conviessem às classes subalternas. Se "injustas", segundo a ótica dos "verdadeiros" representantes do povo (a sua "vanguarda esclarecida") deveriam ser desconhecidas.
Os episódios mostram que, em momentos de tensão, emergem as concepções que estão no cerne do pensamento petista, ao menos de parte ponderável de suas bases e, principalmente, de suas lideranças.
Mostram que eles não se afastaram de suas velhas concepções e que consideram a democracia não como um fim em si mesma, um valor universal, mas como um instrumento momentâneo e circunstancial para o acesso ao poder.
Se ontem não foi possível pelo poder das armas, hoje talvez o seja pelo voto, não para consolidar a democracia, mas para usá-la como fase intermediária para uma sociedade que nem o próprio PT explicita qual é.
O que aconteceria se o PT tivesse uma maior soma de poder? Se dirigisse o governo central? Quem falaria mais alto? As leis existentes e as instituições democráticas ou o clamor popular, as ruas, interpretadas, naturalmente, pelos dirigentes petistas?
Foram dois episódios de pequena dimensão, mas que nos obrigam a refletir porque romperam uma armadura de hipocrisia e começaram a mostrar –quiçá– a verdadeira face do PT.
Anos de luta foram precisos para se conquistar réstias de democracia. Novamente, nuvens negras vêm ameaçar o alvorecer da liberdade. Talvez sejamos obrigados, mais uma vez, a organizar a resistência.

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