São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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A privatização do café

JOSÉ EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA

Os preços do café no mercado internacional estão superando as expectativas mais otimistas que qualquer um de nós poderia ter há um ano e meio, quando assumi a difícil responsabilidade de comandar a política da cafeicultura nacional. Nos últimos meses de 1992, quando assumi o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, a saca de café valia de US$ 45 a US$ 50, em média. Na semana passada, a mesma saca chegou a ser cotada a US$ 145, triplicando de valor.
Os preços evoluíram satisfatoriamente graças a uma série de fatores favoráveis, entre os quais os analistas internacionais destacam a redução dos estoques disponíveis. O quadro atual é uma evidência de que, felizmente, não incorri em equívoco, ao identificar no excesso de oferta do produto e nos estoques de produtores e consumidores os principais motivos para o aviltamento do preço em 1992. Cheguei a propor, à época, a incineração dos excessos de estoques para alcançar novamente o equilíbrio do mercado. Tal medida, considerada radical por muita gente do setor, não foi necessária, graças a Deus.
As altas cotações do café, registradas pelo noticiário, não podem ser erroneamente explicadas por fatores aleatórios como a sorte ou circunstâncias climáticas. Ao contrário, elas resultam de uma política adotada conscientemente pelos países produtores, com a liderança do Brasil, para tirar das mãos dos consumidores a manipulação unilateral do mercado, o que estava causando grandes problemas sociais nos países produtores.
Estes se reuniram para fundar a Associação dos Países Produtores de Café, a APPC, e promover um plano de retenção de parte das exportações do produto para que as cotações nas Bolsas voltassem a atingir níveis realistas, não tão altos como nos tempos de escassez, mas também não tão baixos como resultado do excesso de oferta. Ao contrário do que pode parecer, à primeira vista, esta não foi uma providência fácil de adotar, mas enfrentou grande oposição no próprio setor.
Aproveito o otimismo do momento para fazer uma advertência grave: este patamar de preços muito elevados não interessa ao Brasil, apesar de parecer interessante para outros produtores menores. O interesse de um grande produtor, como o Brasil, é que o preço da saca permaneça estabilizado entre US$ 90 e US$ 110. Se o café tiver de ser vendido abaixo dessa média ponderada, o baixo preço desestimulará a produção. Mas se custar mais, o incentivo será exagerado, provocando novamente a superprodução, que só pode ter como resultado a volta dos preços vis, dentro de dois ou três anos. Isso manteria o mercado internacional na gangorra, que interessa mais aos grandes consumidores do que aos produtores.
Para evitar essa gangorra, o brasil deve vender seus estoques reguladores na Bolsa de Mercadorias & Futuros. Tal venda precisa ser transparente e sem privilégios: quem quiser e puder comprar que compre em igualdade de condições. Se isso ocorrer, sem privilégios para torrefadores nem para industriais do solúvel, o governo reforçará seu caixa e se livrará desses estoques, que já estão envelhecendo e se deteriorando.
Enquanto retém os estoques, o Brasil perde espaço no mercado internacional para outros exportadores. As exportações do café brasileiro têm caído perigosamente de janeiro para cá. Em janeiro, o Brasil exportou 1,573 milhão de sacas. Em maio, não chegamos a 600 mil sacas. O governo precisa ser mais ágil na recuperação dos volumes de exportações, antes que percamos ainda mais espaço no mercado.
Mas não basta vender os estoques. É preciso ir além. As autoridades federais podem também se aproveitar do momento favorável para promover a privatização da cafeicultura brasileira. Como os produtores estão ganhando dinheiro este ano e continuarão ganhando mais ainda no próximo, poderão se estruturar e se organizar para assumir a política de café por sua conta e risco, como faz, por exemplo, a Colômbia. Este instante de grandes lucros para todo o setor por causa dos preços altos no mercado externo é a hora certa da privatização da política do café no Brasil. A privatização, que sempre foi necessária, torna-se agora urgente.

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