São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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A concorrência vinda do exterior

TASSO GADZANIS

Milhares de brasileiros já receberam uma mala direta muito bem elaborada e persuasiva, em português, que denuncia a tradução feita fora do país. A oferta é o mundo mágico das viagens a negócios ou lazer. Oferece-se de tudo: serviços de agenciamento, descontos em passagens aéreas, reservas em hotéis, seguro de vida com prêmio de até US$ 2 milhões, proteção e localização de bagagens e um generoso programa de milhagem.
Para ter acesso a todos estes serviços, basta preencher um formulário suscinto e transmití-lo por fac símile, informando o plano desejado: há várias coberturas e taxas anuais variando de US$ 99 a US$ 775.
Até aí, tudo bem, pois prestação de serviços é o segmento mais dinâmico do mundo moderno, principalmente quando envolve viagens e comunicações. A proponente, no entanto, é uma entidade internacional: a "International Airline Passengers Association" (Iapa), com sede em Dallas, Texas (EUA). Começam os pontos conflitantes.
Fosse uma empresa ou grupo nacional já haveria alguns problemas, sendo do exterior então, tal proposta reveste-se ainda de uma série de riscos para os que a ela aderirem, mesmo que a intenções sejam as melhores, desconsidera a leis brasileiras e vai contra os interesses de diversos segmentos empresariais no país. Senão, vejamos.
No caso do agenciamento de viagens, interfere na seara dos quase 10 mil agentes devidamente estabelecidos no país, que pagam impostos, geram empregos, bem ou mal estão sujeitos à legislação, e vivem, em parte, da comissão recebida através da venda de passagens aéreas, noites de hotel etc.
Quando a Iapa proprõe a compra de passagens, no exterior, aborda o cliente brasileiro com uma proposta de serviço que, se não for cumprido corretamente, causará séries transtornos.
No caso dos seguros, fere as normas estabelecidas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), já que o pagamento é feito diretamente ao exterior.
Rouba mercado, portanto, de seguradoras e corretores de seguros. Vai contra até as administradoras de cartões de crédito já que, na mala direta, diz explicitamente: "É importante mencionar que você não precisa se preocupar em utilizar certos cartões de crédito para reservar sua viagem. Esta cobertura é sua automaticamente".
O mais grave, no entanto, são os problemas que os clientes poderão enfrentar. A quem recorrer no caso de um descomprimento do que é prometido?
Notamos ainda que, quando um passageiro brasileiro se inscreve em um programa de milhagem de uma companhia aérea internacional que serve o Brasil, passados 30 dias, recebe a proposta da Iapa. Ou seja, se tal procedimento não for ocasional e tiver realmente a conivência das transportadoras aéreas, estas estão expressamente contribuindo para a concorrência desleal e ilícita perante os agentes de viagens –além de não preservar seus clientes, que não são consultados sobre se querem ou não receber tais propostas ou se autorizam a divulgação de seus nomes e endereços.
É inconcebível que, em uma época de vacas magras por que passa o setor, merce das dificuldades do país, quando temos que praticar inclusive tarifas muitas vezes suicídas, ainda haja a concorrência vinda do exterior, que como marketing oferece a eficiência, mas em nenhum momento explícita os detalhes legais –obrigação prevista acertadamente em nosso código do consumidor.
Há, curiosamente, na Iapa, apenas um Conselho de Assessoria para a América Latina, cujo membro no país é Paulo Protásio, ex-presidente da Embratur, que atualmente acumula os cargos de vice-presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Pelo cargo que ocupa, em uma associação comercial, e o ocupado –a presidência da estatal de turismo– o consultor deveria ter analisado e orientado a Iapa sobre as peculiaridades do mercado brasileiro– informações que possui.
Os órgãos de defesa do consumidor, privados ou oficiais, assim como as associações e sindicatos dos segmentos envolvidos diretamente devem ficar atentos e exigir maiores esclarecimentos. A omissão poderá ser prejudicial às empresas e, o mais grave, aos clientes.

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