São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Tiro come solto

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi um dia daqueles, dos melhores, para o Aqui Agora. O noticiário popularesco do SBT conseguiu imagens intermináveis de um tiroteio na porta de uma fábrica, ao amanhecer, em Santa Catarina. Primeiro um segurança, depois outro, depois outro apareceram de arma em punho, atirando como em algum filme de faroeste.
Os sindicalistas, ao que parece, reagiram também com tiros. Mas foram só eles que terminaram no hospital. O presidente do sindicato levou um tiro na boca e outros dois diretores foram atingidos por balas na perna e no abdômen. Um deles, mostraram as imagens, se arrastava atrás de um fusca depredado pelos seguranças.
Um dia daqueles, para o Aqui Agora. Na legenda que acompanhou as imagens, como sempre, a brincadeira com a morte: "Tiro come solto na porta da tecelagem." Para a descrição das cenas –para a locução, por assim dizer– mais frases e expressões de mesmo gênero. Como "uma guerra", "grevistas furiosos", "tiros à queima-roupa".
Como ocorre quase sempre –quando o Aqui Agora põe as mãos em cenas de violência– a cobertura acabou se desdobrando em longa novela, que começou na primeira e terminou na segunda metade do programa, horas mais tarde. Para segurar a audiência, um dos apresentadores avisava, como uma atração: "Tem mais."
Foi daqueles dias de grande audiência, no Aqui Agora.
Prato de sardinha
Empolgado, o noticiário não deixou por menos, nos demais acontecimentos. Coisas como: "Marido mata sua mulher por um prato de sardinha".
Escabroso
Para mostrar que mundo cão não tem só no Aqui Agora, os três maiores noticiários considerados sérios entraram ontem com uma notícia que o âncora Boris Casoy chegou a chamar de "escabroso". Manchetes:
"O chefe de internação de um hospital do Rio de Janeiro morre por falta de atendimento", no Jornal Nacional.
"Chefe de internação morre por falta de atendimento no próprio hospital em que trabalhava", no TJ Brasil.
"Omissão de socorro provoca morte em hospital do Rio. A vítima trabalhava no hospital", no Jornal Bandeirantes.
A diferença, diante do Aqui Agora, está mais no tom, talvez no vocabulário –o horror à brasileira é sempre o mesmo.

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