São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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O agricultor sem alternativas

PEDRO DE CAMARGO NETO

"Nova TR protege poupador. Aplicador deve ficar na poupança. CDB atrelado à TR será a melhor aplicação. BC divulga fórmula de cálculo da TR, que deve favorecer a poupança".
Essas foram as manchetes na imprensa por ocasião da alteração na metodologia de cálculo da TR (Taxa Referencial), criação do Plano Collor 2, mantida pelo novo Plano Real.
A preocupação com eventual fuga de recursos do sistema financeiro para o consumo ou compra de ativos reais fez o governo tornar as aplicações financeiras extremamente atraentes até mesmo para remunerações com valores nominais baixos em virtude da perspectiva de estabilização da economia.
As mesmas matérias na imprensa, vistas pelo lado do agricultor, teriam as seguintes manchetes:
"Nova TR penaliza o crédito rural. Agricultor endividado deve ir para a inadimplência. Dívida atrelada à TR será a de maior custo da história. BC divulga fórmula de cálculo da TR, que inviabiliza o crédito rural".
No exato momento que as distorções no crédito rural provocadas pelo Plano Collor 1 recebem algum tipo de tratamento, criam-se novas distorções pelo Plano Real.
É importante que a opinião pública urbana tome conhecimento desde já desta nova distorção. Fatalmente levará os agricultores endividados a futuros problemas.
Constata-se que no passado o crédito rural foi o grande instrumento de política agrícola. Através da correção monetária, ou melhor, da ausência de correção, induziram-se aumentos da área plantada e incorporações de tecnologia. Criou-se a lamentável vinculação entre política agrícola e crédito oficial.
Em meados da década de 80, introduziu-se a correção monetária plena. Logo a seguir, com os planos econômicos, distorções elevaram enormemente o custo do crédito rural. O crédito que era subsidiado pela ausência de correção ficou, por um período, neutro com a correção e depois penalizador com as distorções dos planos econômicos.
A maior parte do crédito rural paga juros de 12,5% ao ano mais a TR. Em tese deveria pagar 12,5% mais uma correção monetária neutra.
Porém a partir do Plano Collor 2, que ao pretender garantir a estabilização, proibiu cláusulas de correção com menos de 12 meses, inventou-se este híbrido de correção e taxa de juros, a famigerada TR, introduzindo no crédito rural um importante aumento de custo.
O Plano Real provoca agora uma nova distorção através de um vertiginoso aumento do juro real incorporado ao crédito brutal.
A metodologia de cálculo da TR era uma média entre as taxas dos CDBs com um redutor de 1,2% ao mês. Uma metodologia que em períodos de inflação ascendente gera juros reais altos, porém em determinados períodos suportáveis.
A nova metodologia será uma média entre as taxas de CDIs também com, inicialmente, o redutor de 1,2% ao mês.
Com a reiteradamente anunciada disposição de imprimir uma política monetária de juros reais estratosféricos de maneira a evitar eventual fuga de recursos financeiros, a TR deverá incorporar de imediato este absurdo nível de juros reais.
O agricultor endividado, que está na outra ponta, pagará o custo desta distorção do Plano Real.
Estima-se que em junho o juro real do crédito oficial será de 2,5% ao mês. Em julho poderá ser de 8% ao mês ou 150% ao ano. Com preços estáveis, será real a taxa nominal.
Para que o agricultor consiga pagar o crédito oficial, o Plano REal precisa não dar certo. Os preços subindo reduzirão o juro real. Mais um plano, mais uma distorção.
Não resta ao agricultor outra alternativa. Fuja do crédito de custeio. Plantem o máximo que puderem porém sem recorrer ao crédito oficial. Utilizem capital próprio, alternativas de crédito privado, vendas antecipadas ou escambo. Não se atrelem porém ao custeio oficial. Pouca ou nenhuma compreensão existe quando as distorções chegam.

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