São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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O rap da seleção

ALBERTO HELENA JR.

Confesso que luto contra essa sombra que me acompanha, nos caminhos que me levam à seleção, de Los Gatos a Santa Clara, de Edmonton, no Canadá, a San Diego, nesta ensolarada e alegre Califórnia.
Afinal, temos como treinador um moço inteligente, articulado, que, no mínimo, sabe tanto de futebol como qualquer um de nós. Por dever de ofício, ao menos, e pela experiência com times de futebol, é de se supor que saiba ainda mais.
Ora, trata-se de um brasileiro como nós. Só por isso deve querer o melhor para a seleção. Mais que isso: como treinador, como profissional, a conquista do tetra para ele terá uma importância ainda maior do que para qualquer outro simples torcedor do Brasil. Profissionalmente, é o máximo. Não só para a satisfação pessoal como pelos contratos milionários que se multiplicarão até a aposentadoria. Ninguém mais do que Parreira, pois, quer ganhar esta Copa.
Quanto aos jogadores, a mesma coisa. Trata-se de um seleto grupo de profissionais. Uns melhores, outros piores. Mas todos num nível superior. Alguns não deveriam estar aqui? Certo. Outros ficaram aí indevidamente? Certo. Mas não muitos, nem tão significativos assim. Por aí não ficou nenhum Garrincha. Assim como por aqui não há nenhum Pelé. Talvez esta seja a questão.
O nosso time parece um rap linear, monocórdio, que se repete à exaustão. Tudo muito bem, tudo muito certo, tudo muito clean, como as ruas de Los Gatos ou o estádio de San Diego, onde nem uma ponta de cigarro se via ao longo dos corredores amplos e intermináveis. Onde já se viu um estádio de futebol em que se possa servir um jantar francês à luz de vela no chão dos corredores que levam às cadeiras? Aqui.
Pois bem: nosso time é isso aí. O esquema adotado está correto –o 4-4-2, com as devidas variações, mais um na frente, se estivermos perdendo, mais um no meio-campo, se estivermos ganhando. Você fala com o técnico, com os médicos, com o massagista, com os jogadores e todos repetem o mesmo rap. No campo, de vez quando, um lance surpreendente de Romário, pois de resto é aquela monotonia, nada arrebatador, nada extremamente depressivo. É bem verdade que nossa zaga, contra Canadá e Honduras, vez por outra prega-nos um susto.
Nosso meio-campo é burocrático, mas nunca desastroso. A única perplexidade ali continua sendo Raí. Como pode? De craque quase perfeito a um perna-de-pau. Resta-nos Jorginho, pela direita, e a dupla de área, composta por Bebeto e Romário. Bebeto até que tem se saído bem nos coletivos e nos jogos. Mas é Romário o fiel depositário de nossas esperanças, como diziam os velhos locutores. Mas Romário é um jogador ultra-dependente. A bola tem de chegar a ele, nas proximidades da área, para que possa dar aqueles dribles secos, rápidos e finalizar com precisão. Alguém tem de levá-la até ele, embora Parreira sabiamente esteja condicionando Romário a vir buscar jogo, para não ficar presa fácil dos zagueiros lá na frente.
Claro que ainda não entramos na competição. E só ela é capaz de irradiar aquela energia extra que faz de um time aparentemente modesto um verdadeiro campeão. Mas eu pergunto: e se até aqui tudo que parece certo, tudo que parece bem, tudo que parece clean esteja errado?
Aí, gente, essa sombra que me acompanha terá um nome: premonição.

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