São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Emprego e devaneios

O programa do PT para o mercado de trabalho, lançado anteontem, tem uma qualidade política: desmente, por escrito, o radicalismo que o partido vinha exibindo.
É claro que, entre documentos de campanha e a realidade concreta de governo, há sempre muita distância. Mas, de todo modo, documentos rubricados pelo candidato acabam assumindo um caráter de compromisso que não é tão simples desconsiderar depois da eleição.
O texto petista afirma: "A tarefa de geração de empregos será em larga medida de responsabilidade do setor privado. Ao Estado caberá executar uma política de desenvolvimento que estimule a criação de novos empregos".
Esse lado positivo, de enfatizar o papel primordial da iniciativa privada, cede lugar, no entanto, a incontáveis dúvidas quando se passa a analisar a questão propriamente do emprego, afinal o tema do programa lançado quinta-feira.
O PT começa por reafirmar uma obviedade. "A base desse programa está na retomada do crescimento econômico". É claro que, sem crescimento econômico, não há como gerar empregos.
Mas, no mundo moderno, caracterizado por enormes, constantes e rápidos avanços tecnológicos, o mero crescimento econômico já não está sendo capaz de gerar empregos no montante necessário.
Para ficar apenas nos dados da América Latina, o emprego no período 91/92 cresceu apenas 3,2%, apesar de ter havido uma razoável recuperação econômica. É um índice inferior aos 3,4% apurados para o período 85/90, exatamente a fase final do que se chamou de "década perdida", pela forte estagnação econômica que a caracterizou.
É verdade que o Partido dos Trabalhadores introduz a ressalva de que o crescimento econômico por ele proposto se dará "de forma distinta dos ciclos anteriores". Pena que o PT seja absolutamente vago a respeito de qual será a diferença entre o crescimento que propõe e o dos ciclos anteriores.
Além disso, o PT amarra a questão do emprego a outros programas setoriais, também não detalhados. Em consequência, o documento do PT ganha caráter até angelical. Um conjunto enorme de boas intenções. Não custa lembrar que de boas intenções...
O melhor exemplo está na menção ao "eixo central" da política de recuperação do emprego: será a ampliação do nível de investimento total da economia brasileira dos 16% do PIB atuais para cerca de 25%.
Ora, o mais desavisado dos brasileiros sabe muito bem que o setor privado, na sua maioria, desconfia do PT e, por isso, no caso de vitória desse partido, não parece lógico esperar do empresariado um aumento dos investimentos. O certo seria imaginar o inverso.
Já o setor público, além de não ser apontado pelo PT como o maior gerador de empregos no futuro imediato, sabidamente não tem recursos para investir.
Ressalve-se que o PT acena com uma interminável lista de reformas que, na sua visão, saneariam o setor público e, por extensão, aumentariam sua capacidade de investimento. Mas, como o programa é setorial para o emprego, o partido remete os detalhes para os capítulos futuros de seu programa.
Como novela de cunho eleitoral, talvez funcione, mas, como resposta prática a um problema de fato gravíssimo, é insuficiente, para dizer o mínimo. De resto, o mundo inteiro está procurando uma saída para a gravíssima questão do desemprego. É o ovo de Colombo do final do século 20.

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