São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A morte do futuro

Os números acerca da mortalidade infantil publicados ontem por esta Folha merecem profunda reflexão. Em primeiro lugar, chama a atenção e causa grande desassossego o fato de a Pastoral da Criança ter registrado um acréscimo no número de mortes de bebês em seu primeiro ano de vida, contrariando uma tendência histórica de queda.
O desassossego transforma-se em inquietação quando se considera que as famílias acompanhadas pela Pastoral ainda recebem alguma assistência, ao passo que a grande maioria nada recebe. Por fim, salta aos olhos que os índices do Nordeste são muito mais altos que a média nacional.
Ninguém ignora que o país atravessa uma situação de crise aguda: o desemprego e a miséria são crescentes e o Estado, praticamente falido, não consegue nem mesmo honrar seus compromissos com os hospitais conveniados com o sistema de saúde pública. Fatores conjunturais como a epidemia de cólera e a longa seca no Nordeste também contribuem para uma deterioração ainda maior do quadro.
De qualquer forma, mais crianças brasileiras estão morrendo e isso é muito grave. De fato, o nível de mortalidade infantil é um importante indicador social pois, além de refletir as circunstâncias gerais de riqueza, distribuição de renda e nível educacional de um país, é também um retrato das condições sanitárias e do sistema de saúde.
Assim, em países desenvolvidos como Suíça, Alemanha, Reino Unido e EUA, as taxas de mortalidade infantil ficam um pouco acima dos 5 mortos entre 0 e 1 ano para cada mil bebês nascidos vivos, nunca ultrapassando a barreira dos 10 por mil. Já nações miseráveis como Butão, República Centro-Africana, Burkina Fasso ou Chade exibem índices de mortalidade infantil que superam a marca dos 130 por mil. No Brasil como um todo, em 92, essa taxa era de 54 por mil.
Mas, apenas nas famílias acompanhadas pela Pastoral, um universo bem menor, esse índice subiu de 28 para 33 por mil, um aumento de 17,8%. Na hipóteses mais do que otimista de o Brasil inteiro ter sofrido apenas o mesmo aumento registrado nas famílias acompanhadas pela Pastoral da Criança, o índice nacional daria um salto.
O estudo da Pastoral é, portanto, um alerta. Que a crise é grave, não há dúvida. E mais grave se torna quando se sabe que, no mundo inteiro, em países ricos e pobres, a mortalidade infantil vem caindo, até independentemente de ações concretas de governo, pois os avanços técnicos e científicos, de uma maneira ou de outra, acabam produzindo esse efeito.
O que está ocorrendo no Brasil é, portanto, uma aberração. Contraria, inclusive, uma tendência universal de melhoria progressiva, mas constante, nesse indicador fundamental. Afinal, não pode haver futuro para a nação que deixa o seu próprio futuro perecer.

Texto Anterior: Emprego e devaneios
Próximo Texto: O copo e a navalha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.