São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Programa é não ter programa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Os fazedores de opinião –classe na qual não me incluo, uma vez que nem sempre chego a ter opinião– estão malhando os candidatos por não discutirem os temas nacionais. Cobram os programas de cada partido e lamentam que a campanha esteja enveredando pelo perigoso caminho da galhofa: Lula é burro porque perdeu um dedo e FHC não devia ter montado no pangaré.
Campanha eleitoral sempre foi assim, mesmo em países com mais tradição democrática. Nos Estados Unidos, a fanfarra predomina, com música de fundo do Souza –um autor respeitável no gênero, apesar do nome familiar para o nosso gosto.
Na Itália, em 1976, acompanhei uma eleição presidencial: um dos candidatos chegou a curar a paralisia de uma menina de 13 anos. Até o Vaticano autenticou o milagre: para ganhar de Berlinguer valia tudo. Em Portugal, vi um candidato (Otelo Saraiva) fazer gestos obscenos no palanque erguido no terreiro do Paço, exorcizando a influência das multinacionais no processo eleitoral daquele ano. A multidão aplaudia.
Cobrar programa partidário é inútil: os cartolas encomendam um documento a um grupo de técnicos disponíveis, a executiva nacional aprova por telefone e os candidatos tomam conhecimento por alto. No fundo, cada qual continua prometendo as mesmas coisas: casa, comida, emprego, hospital, e cadeia para os aproveitadores. As filigramas programáticas permanecem no limbo, sobretudo aquelas que analisam o comportamento da economia do Leste asiático e estabelecem relações entre a social-democracia e a balança de pagamentos.
Aí pelos anos 60 havia um grupo de teóricos disponíveis que, mediante módico pagamento e absoluto sigilo, elaborava programas para todos os partidos. O conteúdo era praticamente o mesmo, a linguagem também, mas ninguém reparava. Nos comícios e na imprensa, o que continuava valendo era a embriaguês de um, a mansidão conjugal de outro. Não havia chegado, ainda, a grande era dos filhos bastardos.
E assim o Brasil caminhou para o regime militar de 64, cujo programa, em sua essência, declarava que eleição atrapalha a vida do país.

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