São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Oito grupos dominam as TVs no Brasil

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Código Brasileiro de Telecomunicações, criado há 31 anos para disciplinar as concessões de rádio e TV no país, virou obra de ficção.
A legislação proíbe a concentração de mercado, estabelecendo que nenhuma entidade ou pessoa pode ter participação em mais de dez emissoras de TV em todo o país, das quais cinco, no máximo, devem ser VHF (identificadas pelos canais até o número 13).
A família do empresário Roberto Marinho (Rede Globo) participa como acionista em 17 emissoras de TV, das quais 15 são VHF.
Segundo o cadastro oficial do Ministério das Comunicações, os Marinho têm 10 concessões próprias de TV (oito VHF e duas UHF, ou seja, com canais de número superior a 13) e são sócios de mais quatro emissoras VHF no Paraná, de duas em São Paulo e de uma em Minas Gerais.
A família Sirotsky (Rede RBS) tem 13 concessões de TV VHF e é acionista de mais uma emissora, no Espírito Santo.
As famílias Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT, grupo Silvio Santos) e Câmara (do grupo Anhanguera, da Região Centro-Oeste) também estouram o teto permitido de cinco concessões de VHF no país.
A Bandeirantes tem nove concessões VHF, o SBT tem oito (mais uma UHF), e a a família Câmara tem sete.
Brechas na lei
Os oligopólios se formaram através de uma brecha deixada na lei. Ela fixou os limites por entidade e por acionista, mas não previu um artifício simples: o registro de concessões em nome de empresas diferentes e de vários membros da família.
No Estado de São Paulo, há duas concessões de TV em nome do empresário Roberto Marinho: na capital (TV Globo de São Paulo, canal 5) e em Sorocaba (TV Aliança Paulista, canal 33).
Roberto Irineu Marinho, um de seus filhos, é sócio da TV Vale do Paraíba (canal 17, UFH) e da TV Bauru (canal 2).
José Roberto, outro filho, é acionista da TV São José do Rio Preto (canal 2) e da TV Globo de São Paulo, junto com o pai.
O terceiro filho, João Roberto Marinho, é sócio da Empresa Paulista de Televisão nas emissoras de Campinas (canal 12) e de Ribeirão Preto (canal 7).
O decreto lei 236/67, que complementou o Código Brasileiro de Telecomunicações, diz que nenhuma entidade ou acionista pode ter mais do que duas emissoras de TV VHF por Estado.
Roberto Marinho e seus três filhos estão individualmente dentro da lei, mas, vistos como membros de um mesmo grupo empresarial, ultrapassam em quase duas vezes o limite de participação em emissoras de VHF.
O decreto 236 também diz (no artigo 12, parágrafo 7º) que as concessionárias de rádiodifusão não podem ser subordinadas a outras entidades que se constituam com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única, através de cadeias ou de associações de qualquer espécie.
Concentração
Com isto, o legislador quis, à época, impedir a concentração de mercado.
A própria denominação de rede, utilizada pelas concessionárias (Rede Globo, Rede Bandeirantes, etc) prova que o princípio da desconcentração é desrespeitado.
O decreto diz (no mesmo artigo 12) que as entidades que ultrapassarem os limites máximos de concessões por Estado e âmbito nacional têm dois anos para vender o excedente e se enquadrar nos limites legais.
A punição para a desobediência ao artigo 12 é severíssima: cassação da emissora.
No Rio Grande do Sul, a família Sirotsky (da RBS, afiliada Globo) conseguiu controlar dez emissoras VHF no Estado: Uruguaiana (canal 13), Santa Rosa (canal 6), Santa Maria (canal 12), Santa Cruz do Sul (canal 6), Rio Grande (canal 9), Porto Alegre (canal 12), Pelotas (canal 4), Bagé (canal 6) , Caxias do Sul (canal 8) e Erechim (canal 2).
As concessões estão distribuídas por vários membros da família: Ione (viúva do fundador, Maurício Sirotsky), Jaime Sirotsky (presidente do Conselho Adminstrativo da RBS, irmão do fundador), Nelson Sirotsky (presidente da RBS), José Pedro Sirotsky (vice-presidente), filhos e genros.
Além das dez emissoras próprias no Rio Grande do Sul, a rede RBS arrendou duas TVs no interior do Estado: Cruz Alta (canal 3) e Passo Fundo (canal 7). Com isto, tem domínio quase absoluto do mercado no Rio Grande do Sul.
A RBS tem ainda três concessões de TV em Santa Catarina e 30% da TV Cachoeiro, de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo.
Única vez
O único caso que se tem registro de aplicação rigorosa da lei ocorreu no final da década de 60.
O empresário Ulisses Ferreira Júnior, de São Paulo, foi obrigado a vender cerca de 20 emissoras de rádio, que estavam em seu nome, até se enquadrar nos limites do decreto.
As redes, que se formaram a partir de então, usaram o artifício do registro das concessões em nome de parentes. O Ministério controla a concentração pelo CPF do acionista e não pelo sobrenome ou pelo cargo que ocupa.
Há desrespeito também ao princípio da desconcentração das emissoras de rádio FM. Pela legislação, uma mesma empresa (ou acionista) não pode ter mais do que seis FMs em âmbito nacional.
Os Sirotsky têm 14, os Saad têm oito, e os Marinho têm sete, de acordo com os registros do Ministério das Comunicações.
O expediente é o mesmo utilizado para as TVs: distribuir as concessões entre parentes, como pais, filhos, irmãos, mulheres e cunhados.

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