São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 1994
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Casca de amendoim é bola pra Romário

Nossos craques mudam tudo em gol

NANDO REIS E MARCELO FROMER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O futebol que jogamos contra o time de bola de gude de Honduras não nos surpreendeu. Pior. Não surpreendeu nem mesmo os hondurenhos.
A diferença destes 8 a 2 para o amistoso com o Canadá é que, desta vez, convertemos em gols as chances também criadas no primeiro jogo.
A verdade é que, apesar de pessimamente orientados, alguns de nossos craques naturalmente transformam qualquer coisa em gol. Entregue ao Romário um punhado de cascas de amendoim que ele te devolverá, sem tirar as mão dos bolsos, com um passe de trivela resolvido em gol.
Mas houve um fato importante: a entrada de Muller. A sua velocidade, aliada a sua técnica e experiência, é uma maneira de fazer com que a bola chegue a Bebeto e Romário, com mais precisão e rapidez.
O Muller fez sozinho a conexão que Raí, Zinho e Mauro Silva não souberam fazer durante o primeiro tempo inteiro.
Mas isso durou apenas 20 ou 25 minutos, pois, logo em seguida, o treinador anulou o teste, colocando os outros dois atacantes que ele sabe que não vai utilizar: Viola e Ronaldo.
O mais provável é que aconteça a volta de Branco no lugar de Leonardo, que só agora vai retomando o hábito de jogar na lateral-esquerda.
Este time está ficando com a cara do Teimoso. Quem sabe até 98 adquira entrosamento.
Contorcionismo neurológico
Alguma coisa anda realmente esquisita. Depois do cabeça-de-bagre, chegou a era do jogador sem cabeça. As transmissões destes jogos treinos da seleção deveriam vir acompanhadas de uma cartilha de lições de ótica e física.
No jogo de Honduras era muito difícil identificar os jogadores, dada a distância da câmera que fazia deles insetos desnorteados na tela da TV.
Houve um momento, que algum gênio da edição de imagem, experimentou fazer alguns cortes, mudando o eixo da posição da câmera.
O que acontecia era o seguinte: o ponta vinha correndo na parte superior da tela e, quando ia ultrapassar o meio do campo e se aproximar do gol adversário, vupt!, um corte brusco e cinematográfico deslocava o eixo da transmissão num ângulo de 90 graus. Parecia que o ponta, num lampejo de insanidade, fazia meia volta e partia para atacar a própria meta.
Tudo isso por causa da tal da publicidade estática de certa marca de cerveja. E o que nós temos com isso? A que ponto nós chegamos, onde é preciso fazer contorcionismos neurológicos para acompanhar uma simples partida de futebol.
Este é um bom exemplo do rumo que vai adquirindo a nossa participação nessa Copa.
A força de anunciantes, das emissoras, da mídia em geral é tão avassaladora em seu otimismo que inibe o torcedor.
Daqui a pouco precisaremos de uma liminar judicial se quisermos gelar uma cerveja que é rival da marca anunciada pela emissora de nossa escolha.
E isso é estranho para quem, como nós, em vez de assistirmos cortarem a cabeça de nossos craques, preferiríamos ver outras cabeças sendo cortadas.
Com o Teimoso faltam quatro dias para começarmos a perder mais uma Copa.

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