São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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Antônio Poteiro expõe esculturas e pinturas

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Antônio Poteiro volta à cidade para uma individual na Galeria São Paulo. Começando como mestre-artesão de cerâmica, já percorreu com suas obras espaços prestigiosos dos Estados Unidos, Japão e Europa.
Sua produção poderia ser simplesmente relegada à estante bolorenta dos primitivos; mas será que é só isso? Seus trabalhos dão o que pensar, embaralhando limiares entre a artesania e a arte, entre a continuidade popular e a fissura erudita.
Fincado na cultura brasileira, o artista já viveu entre os índios carajás, dos quais herdou algumas características em suas figuras de barro. Poteiro nasceu Antônio Batista de Souza, na província do Minho, em Portugal, e chegou criança ao Brasil.
Passou por muitas profissões, de ferreiro a cozinheiro, mas sempre, por necessidade, voltava aos potes e outros utensílios que, pela maestria e invenção, fizeram os amigos empurrarem seu salto às artes. "Até 40 e poucos anos eu fazia só potes. As pessoas me incentivaram a fazer escultura em barro em 1962. Depois passei a pintar por insistência do Siron Franco. Aprendi com ele e com Cleber Gouveia", diz.
Com essa sabedoria vivida, a mão adestrada no tempo e no ofício, e fundas raízes populares, Poteiro passou à escultura. Seu conhecimento artesanal garante a qualidade técnica das esculturas, algumas muito grandes para cerâmica. Cada peça é seca na sombra por 6 a 7 meses, depois cozida no forno por 5 dias, começando com 50ºC e terminado com 850ºC.
"O barro eu tiro e fica 3, 4, 5 anos no tempo. Não tiro do barreiro e faço senão estraga. A chuva lava e tira um pouco do óxido de ferro. Aqui no Brasil, o barro tem muito óxido", explica.
Suas esculturas partem da estrutura básica e utilitária do pote, baseada na circularidade e no vazio central. As menores começam no torno. Como potes, dividem-se em partes, pseudo-tampas, que comunicam, por iminência, seu interior –o vazio infinito e circular de sua narrativa, como um cordel que não acaba.
As esculturas se constroem pela cadência dos elementos grudados às paredes desses grandes vasos-totens. Como Marcos Benjamin, Poteiro estrutura suas telas e esculturas a partir da repetição, característica da cultura popular, ou dos ofícios manuais a ela ligados.
Mas, ao contrário de Benjamin, contamina essa estrutura com conteúdos populares, moldados e esticados por sua ágil fantasia. Amarra, assim, sua obra em antiquíssimos substratos culturais, dos quais o Brasil é farto.
As pinturas são tematicamente mais prolixas, mas se resolvem pela justa posição exaustiva de elementos similares, quase como "patterns", usando combinações cromáticas impensáveis. Essa radicalidade o afasta da maioria insossa dos "primitivos". Sua escultura, no entanto, mais concisa, cria maior tensão, inovando na velha e amarrada técnica da cerâmica.
Será que Poteiro consegue acordar o olhar público de seu torpor, como quer a arte contemporânea, ou simplesmente embala o olho tradicional no doce acalanto "naif"? Sendo ele capaz ou não de criar a tensão cultural que a grande arte exige, reanima viver num país capaz dessas surpresas.

Exposição: Cerâmicas e Pinturas de Antônio Poteiro
Onde: Galeria São Paulo (r. Estados Unidos, 1456, Jardins, S. Paulo)
Quando: Abertura hoje, 21h. Até 3 de julho. De segunda a domingo, 10h às 22h.

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