São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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Jamie estranha seu papel em filme de ação

DO INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE

Jaime Lee Curtis entra na sala correndo e ofegante. "Desculpe pelo atraso", diz ela. "Vim correndo".
É a primeira vez em minha vida que uma celebridade corre e fica ofegante para chegar na hora a um encontro marcado comigo. Eu digo que não tem problema. Ela joga sua grande bolsa no sofá e se recosta nas almofadas. "Gosto de ser pontual", diz ela.
"Você deve ser uma pessoa ocupada", digo.
Uma expressão de aversão percorre seu rosto. "Ocupada? Atores e atrizes não são pessoas ocupadas", diz Jamie. A verdade é que Jamie Lee Curtis estava ocupada dublando sua própria voz no filme "True Lies", de James Cameron, nas partes em que suas falas saíram levemente inaudíveis. "É um saco", diz ela. "Mas você não deve estar interessado nisso".
Mas é claro que estou, só que não demoro a perceber que vou descobrir muito pouco sobre "True Lies" de Jamie Lee Curtis. Ela sequer se dispõe a reclamar das infames brincadeiras de seu co-astro Arnold Schwarzenegger.
No filme, Jamie faz o papel de uma dona-de-casa que não percebe que seu marido Arnie é na realidade um agente secreto. A revista "Premiere" prognosticou que o filme seria o nº 1 do verão americano de 1994.
Isto não quer dizer que Jamie não tenho coisas a dizer. Pelo menos não quando estas coisas digam respeito a sua filha adotiva, Annie, seu marido, o comediante e diretor Chris Guest, seus pais, Janet Leigh e Tony Curtis, drogas, o cachê que ela pede por filme, a controvérsia sobre adoções, sua evolução de "scream queen" a heroína moderna e muito mais.
Pergunta - O fato de tornar-se mãe modificou as escolhas que você faz, enquanto atriz?
Jamie Lee Curtis - Sem dúvida alguma. Até o fato de ser esposa mudou essas escolhas. Quando comecei a representar, eu não supus nem sabia que teria uma filha. Fiz escolhas baseadas na minha vida do momento.
Hoje tenho uma filha de sete anos, que tem muita consciência do cinema e do que acontece nele. Faço todas minhas opções com ela em mente. Penso se esse filme será algo que ela poderá assistir, se é algo que despertará dúvidas nela. Será que ela vai conseguir diferenciar realidade de fantasia? Será que o que eu faço na tela vai deixá-la confusa? Qual a mensagem moral que ela estará recebendo?
P - Nesse caso, quando você vai deixar sua filha assistir filmes teus como "Halloween" e "Blue Steel"?
R - Hum. Qualquer filme como esses dois, filmes de natureza violenta, só quando ela for adolescente. Filmes de natureza sexual, depende das imagens –depende. Acabei de passar "Trading Places" para ela, sem mostrar a única cena que eu não queria que ela visse. (Pausa)
Aquela famosa cena de topless não me incomoda tanto. Acabei de assistir "Sirens", que celebra o corpo feminino. É simplesmente lindo. E elas ficam nuas por muitos, muitos minutos. Tive um momento de nudez muito breve, num filme lançado dez anos atrás. Mas ainda provoca um impacto.
P - Você escreveu um livro infantil, chamado "When I Was Little: A Four Year-Old's Memoir of Her Youth". (Quando eu era pequena: memórias da infância de uma menina de quatro anos)
R - (sorrindo) Vendeu 50.000 cópias. O livro saiu muito bem, considerando que foi uma coisa que fiz sem fins necessariamente capitalistas. Fiz como expressão criativa, e acabou sendo uma coisa que as pessoas gostaram.
P - Você tem um certo histórico de consumo de drogas. Você já disse no passado, publicamente, que usou cocaína juntamente com teu pai. O que aconteceria se tua filha, quando tiver 15 anos, chegasse e te dissesse que quer fumar um pouco de maconha?
R - (coçando o queixo) Sei, você quer dizer o que eu responderia? Eu diria "tudo bem". Não acho que a maconha seja tão ruim assim. Não estou dizendo que eu use regularmente. Mas se ela quisesse experimentar maconha, eu seria a primeira pessoa a experimentar junto com ela.
P – Você está falando sério??!!
R - Gostaria de te fazer a mesma pergunta, se me permite. Quando teu filho tiver 16 anos e quiser experimentar uma cerveja, você tomaria com ele?
P - Eu não bebo álcool nenhum. Mas sim, suponho que tomaria.
R - Então, veja bem. Eu não acho que fumar maconha habitualmente em casa seja muito mais estimulante ou potente do que tomar álcool. Não quero provocar o lobby do álcool nem nada, porque não defendo o uso de drogas. Mas simplesmente não acho que a maconha seja coisa tão grave.
Eu não tomaria drogas habitualmente com minha filha. Mas sei com toda certeza que serei o tipo de mãe que dirá "Sempre estarei aqui se você quiser fazer alguma coisa. A qualquer hora, em qualquer lugar, que você precisar de mim, eu nunca vou fazer perguntas. Você nunca precisará sentir medo de voltar para casa, achando que eu vou te julgar".
P - Quando tua filha for adolescente, o que você vai exigir dela?
R - Um certo código de conduta dentro da família. Eu não admitiria que ela mentisse para mim. Verdade e integridade seriam questões muito importantes, das quais eu faria questão absoluta. Se ela mentisse, eu daria o castigo mais extremo de que sou capaz.
Quando Annie tiver 16 anos eu darei um carro a ela, que é um tributo legal. (sorri) Um Volvo com sacos de ar duplos e um chassis de aço. Vou fazer ela trabalhar durante as férias para pagar o seguro do carro. E vou dizer a ela, "Se você dirigir depois de beber, tiro o carro de você. Se você tratar teus pais ou teu lar com desrespeito, também".
P - Você acha que teu pai fez mal quando consumiu drogas com você?
R - Eu não falo mais sobre esse assunto. Fiz mau uso da imprensa quando falei sobre isso no passado.
P - Alguma vez teu pai ou tua mãe ficaram magoados por coisas que você disse à imprensa sobre eles?
R - Não. Eu fiquei magoada por coisas que eu disse à imprensa sobre minha família.
P - Você é fã do trabalho de teus pais? Você acha que teus pais são bons atores?
R - Mais do que isso, acho que são grandes atores. O melhor filme em que meu pai trabalhou é "Sweet Smell of Success". Quanto a minha mãe, acho que eu diria "The Manchurian Candidate". É um filme muito estranho e maravilhoso, no qual ela teve um desempenho fantástico. Ela foi maravilhosa em "Touch of Evil". Ontem à noite minha filha e eu assistimos "My Sister Eilene". Fabuloso.
P - Eles tiveram o respeito que merecem, como atores?
R - Não acho que nós atores merecemos mais respeito do que já recebemos. Toda essa questão da atenção que os atores recebem e o papel do ator na sociedade é um problema importante para mim. Acho que os atores não merecem nada.
Minha opinião sobre como meus pais são vistos é a seguinte: acho que por causa da beleza dos dois, os trabalhos sérios deles não foram recebidos tão efusivamente e prontamente quanto muitos outros da geração deles. Os dois são fantásticos atores. Acho uma pena que não sejam muito ativos no mercado de hoje.
P - A primeira pessoa que entrevistei na minha vida para o "Los Angeles" foi tua mãe. Ela me disse que depois de trabalhar em "Psicose", ela ficou com medo de tomar banho de chuveiro. Quando você era criancinha, como tomava banho?
R - A gente tomava banho de banheira. Mas não conheço nenhuma criança que tomava banho de chuveiro. Uma banheira é uma área contida, onde a criança fica em segurança. Davam banho de banheira na gente não porque o chuveiro desse medo, mas porque a banheira era mais segura. Mas é verdade que minha mãe não toma banho de chuveiro.
P - Quando você assistiu "Psicose" pela primeira vez?
R - Quando eu me tornei atriz era essa a pergunta que sempre me faziam. Eu não tinha nada mais para comentar. Inventei uma história de que quando eu tinha 11 anos eu morria de medo–
P - E qual era a verdade?
R - Na verdade eu nunca tinha assistido "Psicose", ou não me lembrava de ter assistido. Talvez eu não tivesse assistido até o fim. "Psicose" não teve um papel importante na minha vida. Não sei bem porque não o assisti com cuidado, como tenho certeza que muitas pessoas fizeram. O que vi, gostei. Simplesmente não tenho qualquer memória ou reação à cena em que minha mãe é assassinada.
Filmes não têm um papel importante no meu lazer. Eu assisto filmes sempre, tipo duas vezes por semana. Eu dou risada, choro, me assusto e quando me assusto eu saio do cinema. Mas não houve qualquer filme que mudou minha vida. Houve a geração que assistiu "A Primeira Noite de um Homem" e isso mudou suas vidas. Para mim, nenhum filme foi um marco importante na minha vida.
P - Só quero entender até que ponto você leva a sério teu próprio trabalho de atriz. Faço esta pergunta sabendo que você é uma pessoa ligada em saúde. O que aconteceria se te oferecessem o grande papel de tua vida, mas para fazê-lo você tivesse que engordar 20 ou 25 quilos, como De Niro teve que fazer em "Touro Indomável". Você aceitaria?
R - No ato, desde que fosse uma coisa boa. De Niro nunca foi conhecido por seu corpo. Ele era conhecido como um grande ator, e o fato de mudar sua persona constantemente para seus diferentes papéis era parte dele.
As pessoas ainda se chocam, em "Touro Indomável", quando Scorsese corta para Jake la Motta gordo, no bar. É realmente chocante. Eu respeito muito a habilidade de De Niro.
Eu engordaria se fosse realmente preciso. Sou conhecida por meu corpo. Se eu fizesse isso, chamaria muito mais atenção do que se outra pessoa fizesse, porque tenho um corpo bonito. Sou conhecida por meu corpo atraente.
P - Em "True Lies" você representa uma mulher casada com um homem que ela nem desconfia que seja agente secreto. Você já guardou um segredo das pessoas que ama?
R - Você quer dizer do meu marido? Acho que existem segredos em qualquer relacionamento. Eu não esconderia coisas importantes dele. Obviamente a comunicação é o fator chave em qualquer casamento.
Mas acredito inteiramente no direito que as pessoas têm de terem suas próprias idéias e sua própria imaginação. Parte da confiança num casamento, a capacidade de interagir em nível emocional e sexual, é que um penetra nos lugares secretos do outro.... e não estou falando nos lugares físicos.
P - Falando em segredos, o que você acha que teus pares falam sobre você pelas costas?
R - Pessoas com quem eu trabalho? (pausa) Acho que elas gostam de mim. Acho que gostam de trabalhar comigo. Eu dou muito, torno meu trabalho super divertido. Acho que elas saem sentindo que se divertiram.
P - E quanto aos diretores que não te conhecem, mas estão pensando em chamar você para um papel. Qual é tua reputação entre eles?
R - (pausa) Na verdade, não sei. A pergunta precisa ser mais específica? Os diretores de comédias contemporâneas diriam que eu seria boa. Eles diriam que eu não cobro muito caro. Na realidade, eu não cobro muito caro de propósito. Não sou uma atriz que vai ganhar muito, muito dinheiro.
Eu prefiro trabalhar. Sou paga mais ou menos bem, de qualquer maneira, mas prefiro me manter num nível acessível. Se você mencionar meu nome, as pessoas não dirão automaticamente "Não podemos pagar o que ela pede". Quando as pessoas sabem disso, elas te mantêm na lista das possibilidades. Tenho procurado não exigir um pagamento que assuste as pessoas.
P - Vamos falar sobre você como estrela de filmes de ação. Parece que os papéis femininos em filmes de aventura e ação estão em alta. Você se vê nesse gênero?
R - Não, mas acho que depende do filme. Batman me interessa porque você representa dois personagens. É por isso que meu personagem de Helen em "True Lies" é um papel tão legal. Ela é uma dona de casa reprimida e comum, que depois vive seu grande momento.
Eu também fiz "Blue Steel". Naquele filme houve um personagem envolvido num filme de ação. Acho que fiz aquele papel muito bem. Não estou dizendo que eu seja uma grande atriz de personagens. Mas tenho que me identificar com o personagem e torná-lo real, senão não posso fazer o papel.
P - A pesquisa sempre é importante para identificar uma realidade. Me conte a coisa que você mais gostou de descobrir quando pesquisou para os papéis que representou nestes anos todos.
R - Quando eu estava pesquisando para "Trading Places", uma pessoa que tinha contato com prostitutas me disse que quando elas usam relógio, elas sempre colocam no lado interno do pulso. Assim, quando estão acariciando o cliente, elas podem ver a hora. Adorei aquilo. É uma ótima coisa para saber, se você faz o papel de uma prostituta.
P - Última pergunta. Me conte sobre a coisa que você fez que mais agradou a um fã.
R - Uma noite eu estava no Spago com amigos, que estavam com seu filho adolescente. O garoto era era meu fã e pediu que eu lhe desse alguma coisa que ele pudesse mostrar a seus amigos para provar que tinha jantado comigo aquela noite. Ele estava jantando com os adultos, e era uma noite importante para ele.
Eu arranquei minha meia-calça, ali mesmo, sentada na cadeira. Tirei a meia-calça, assinei em cima e dei a ele. Foi uma das coisas mais legais que já fiz. Ele ainda tem as meias penduradas no quarto dele na faculdade.

Tradução de Clara Allain

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