São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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O casamento feliz

JOSÉ SERRA

Toda vez que se anuncia mais um casamento de Elizabeth Taylor, os leitores que acompanham as notícias a respeito da atriz são tomados de um irresistível ceticismo sobre o futuro do novo compromisso. Afinal, trata-se do sétimo ou oitavo. Por que, agora, iria dar certo?
Uma desconfiança semelhante cerca a tentativa de estabilização de preços no Brasil. Pelo menos dez planos feitos contra a inflação fracassaram desde o segundo semestre de 1979. Por que o plano nº 11 iria dar certo? Uma pesquisa do "InformEstado" confirmou essa descrença: três quintos dos entrevistados consideram que "os empresários vão continuar subindo os preços depois do real".
Esse ceticismo é razoável, mas não tem tanta importância para o fracasso ou o sucesso do Plano Real, simplesmente porque as expectativas dos entrevistados não influem nos preços. São, na maioria, assalariados de classe média (têm telefone para responder as pesquisas), que não decidem sobre preços ou sobre variáveis que influenciam indiretamente os preços, como gasto público, política monetária, exportação de capitais ou manchetes de jornais.
Quem acaba influindo, de fato, são as elites brasileiras, compostas por empresários, políticos, dirigentes sindicais, intelectuais e jornalistas, quaisquer que sejam seus credos ideológicos e políticos. Essas elites, porém, podem entender melhor porque, no caso atual, as condições de sucesso são melhores do que as existentes por ocasião dos planos anteriores.
Para começar, temos agora imensas reservas de divisas e uma situação incomparavelmente melhor do balanço de pagamentos. O déficit público é menor do que nas ocasiões anteriores (no começo de 1990, o déficit potencial estava próximo dos 10% do PIB). Além disso, a fase da URV serviu para permitir maior sincronia dos reajustes dos diferentes preços, circunstância que facilita a desaceleração inflacionária.
Por último, creio que aumentou o cansaço das elites com a superinflação e cresceu a percepção de que, a médio e longo prazos, o descontrole inflacionário acaba virando um jogo de soma zero ou negativa para elas próprias. Portanto temos quatro condições econômicas mais favoráveis, capazes de arrefecer os sentimentos mais pessimistas.
Os dois fatores que poderiam prejudicar a estabilização são de outra natureza. Primeiro, a torcida pelo quanto pior melhor de partidos, candidatos ou setores da mídia, por motivos eleitorais ou simplesmente paranóicos (descobrir um eventual fracasso por antecipação). Segundo, um eventual equívoco do próprio governo que conspire contra a austeridade fiscal e monetária necessárias à estabilidade.
O primeiro fator, na verdade, não tem grande peso, exceto para aumentar o ceticismo dos que, como os pesquisados, não têm culpa pela inflação, nem podem (mesmo que quisessem) acelerá-la. O segundo fator, cabe esperar, não ocorrerá, pois seria fantástico que o governo, quando está prestes a vencer uma etapa decisiva da corrida pela estabilização, desse um tiro no próprio pé.
O presidente Itamar tem a chance histórica de encerrar seu mandato em condições bem melhores do que seus três antecessores, que sucumbiram na luta contra a superinflação. Por que iria perdê-la? Por esses motivos somados, o 11º casamento do país com a estabilidade de preços pode e merece dar certo!

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