São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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Guerra urbana

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – São Paulo também tem chacina? Esta pergunta se repetiu por aqui ontem, em função da manchete da Folha segundo a qual 18 pessoas foram assassinadas em uma mesma noite, em dois episódios distintos.
Pergunta meio absurda, mas legítima. Afinal, os cariocas estão escaldados com a sucessão de assassinatos (Candelária, Vigário Geral etc.), como se a conflagração urbana fosse um privilégio (ou uma desgraça) exclusivo do Rio de Janeiro.
Como se vê, não é. E nunca foi. Mesmo porque a violência é hoje um lugar-comum em praticamente todos os grandes centros urbanos brasileiros.
Infelizmente, não há distinções, assim como não há diferença no desaparelhamento do Estado em regiões diferentes, assim como a Justiça é lenta no país todo, assim como a pobreza e a miséria, a queda da qualidade de vida e a criminalidade aumentam como parte perfeitamente integrada à crise nacional.
Há três anos, o então prefeito Marcello Alencar me disse que a violência no Rio não é maior do que a de São Paulo. "Mas tudo o que acontece aqui repercute muito mais", afirmou.
Poderia até haver algum exagero da parte dele, mas é certo que aqui no Rio as coisas acontecem mais perto, a miséria e o crime estão logo ali, na esquina, ou então no morro vizinho, onde está o traficante, mas também onde mora a população de baixa renda que presta serviço aos bens postos na vida.
Em São Paulo as coisas são muito mais espalhadas e dispersas, mas a conflagração também é uma realidade inexorável. Taí a manchete de 18 mortos para demonstrar isso.
Antes de sugerir uma comparação mórbida para saber onde se morre e se mata mais, o que se pretende aqui é insistir que paulistas e cariocas são vítimas do mesmo mal: o abandono.
A cidadania cada vez mais torna-se assessória, a qualidade de vida cede lugar a uma luta quase inglória pela sobrevivência. Subcidadãos surgem como cogumelos após a chuva. Mendigos, desabrigados, desempregados e criminosos aparecem como subprodutos da sociedade mal resolvida.
Sim, há chacinas em São Paulo. E certamente nenhum paulista se orgulha disso.

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