São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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A TV estatal do Lula

ROBERTO MUYLAERT

Lula lançou a idéia de uma rede de TV estatal, para defendê-lo dos meios de comunicação, se eleito presidente. A TV Cultura de São Paulo foi citada pelo candidato como modelo ideal para a nova emissora.
Felizes com a referência, lembramos contudo que a TV Cultura só pode funcionar bem justamente porque não é estatal. É uma fundação de direito privado que o governo do Estado por lei deve manter, sem interferir política ou administrativamente.
Já o modelo clássico de TV estatal é a da TVE do Rio de Janeiro, com o dobro do pessoal da nossa. São servidores públicos mal remunerados, porém estáveis. E portanto podem rir das chefias que porventura exijam trabalho deles, sem que nada lhes aconteça.
Tenho respeito e simpatia por funcionários públicos abnegados, como são a maioria dos professores das escolas públicas. Mas querer que funcionários trabalhem com vontade, criatividade e olho brilhando numa emissora de televisão-repartição pública, seria pedir muito.
Não se iluda, Lula, a sua TV estatal será um desastre, mesmo que você tenha a melhor das intenções. E um desastre caro.
Além dos programas insipidos e medíocres próprios das estatais, seus correligionários-sabujos insistirão em fazer telejornais e edições especiais, onde discursos oficiais serão reproduzidos à exaustão. O povo sabe se defender dessa chatice, trocando de canal.
E já que TV estatal é péssima idéia, o que fazer para melhorar as programações existentes nas redes comerciais? Quem for eleito pode fazer cumprir a Constituição Federal, artigo 221: "A produção e a programação das emissoras e rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".
Além de tornar as televisões constitucionais, o novo presidente poderá lembrar a elas que o resgate dos problemas sociais do Brasil tem que começar pela TV. Como concessionárias de serviço público, as emissoras terão a missão de passar os conceitos de cidadania e de criar os hábitos necessários para melhorar a vida da população.
O formato da TV comercial é perverso, cria falsos valores, incita ao consumo e mostra a violência de que os marginais necessitam para se aperfeiçoar no crime.
Pesquisas do Canadá, Finlândia e Japão mostram que a TV não gera violência, apenas reflete a sociedade. Nesses países, de fato, uma população abastada não vai sair de casa à noite para matar alguém só porque assistiu a um filme violento, em poltrona macia de uma sala aquecida. Mas, no nosso caldo de cultura, a correlação é direta.
Por outro lado, as TVs brasileiras são extremamente competentes, com produção requintada e original, reconhecida internacionalmente. É enorme a quantidade de serviços que elas poderão prestar à nação, se o governo federal conseguir entrar em acordo com elas.
Entretanto, para possibilitar essa colaboração "espontânea", seria conveniente que, a partir do próximo mandato, o ministro das Comunicações fosse escolhido só pelo presidente da República, sem o aval de ninguém.
Quanto às TVs educativas estatais, obsoletas e sem função, a modernidade já tem uma fórmula: com o mesmo dinheiro desperdiçado nas estatais, pode-se dar um salto de 20 anos e colocar um satélite a serviço de todas as escolas públicas do país: cada uma delas será dotada de um computador com CD Rom, para receber os conteúdos necessários ao professor que vai dar aula. Uma central de computação terá arquivo eletrônico, com todo o currículo já gravado.
Assim, se um professor quiser dar aula sobre Tiradentes, por exemplo, receberá a lição pronta em fração de segundo, em qualquer lugar do país, contendo até imagens em movimento. Daí para a frente esse tema estará gravado na memória do computador das escolas que o pediram.
O ensino básico terá então qualidade uniforme em todo o país, permitindo que os professores dêem aulas em qualquer vilarejo remoto, com a mesma qualidade. A recuperação do ensino no Brasil também começa pela televisão.

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