São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Personagem ignorante esconde atriz com tutano

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

O Q.I. de uma pessoa pode não ser tudo na vida, mas algum peso há de ter, certo? Judy Holliday, acredite, tinha 172 de Q.I. Era o mais alto de Hollywood. Daí porque um dos momentos mais engraçados de "Nascida Ontem" é aquele em que ela diz para o grosseirão Harry Brock (Broderick Crawford): "Você não me ama, você só gosta da minha inteligência".
Billie Dawn só se revela inteligente quando joga gin-rummy, ganhando todas de Brock. Sua única leitura são as histórias em quadrinhos –o que me leva a supor que teria radioso futuro na imprensa brasileira. Sua crassa ignorância fornece algumas das melhores tiradas do filme, mas seu "noivo", que se encrespa ao ouvi-la confundir península com penicilina, não fica atrás.
Quando, à certa altura, o personagem de William Holden se refere a Oliver Wendell Holmes, Brock pergunta se o mencionado cavalheiro virá ao hotel naquela noite. Holmes foi um célebre médico e ensaísta norte-americano, morto no final do século passado.
"Nascida Ontem" é uma comédia iluminista, repleta de citações (Alexander Pope, Thomas Jefferson), pigmaleônicas lições cívicas e políticas de tendência liberal. O que valeu a Garson Kanin o merecido epíteto de "Bernard Shaw dos pobres". Seu texto tinha alguns palavrões, suprimidos na tela por motivos óbvios. Não fazem a menor falta. Foram mais úteis à recente refilmagem estrelada por Melanie Griffith, que outros trunfos não possuía. Ou melhor, possuía apenas um: John Goodman, mais fiel ao bem-humorado Brock original do que Crawford.
A primeira intervenção de Judy –que para ser aceita pela Columbia teve de emagrecer sete quilos– é um esganiçado "What?!" (O quê?!) que aqueles que só conhecem o filme na versão dublada, exibida pela Globo, nunca puderam saborear a contento. Aproveitem agora, na versão em vídeo, pois a voz de Judy era a viga mestra da sua comicidade. Tem outro sabor, no original, a cena em que Billie cantarola "I Can't Give You Anything But Love" enquanto aplica uma surra de gin-rummy no seu bronco "fiancé". Depois de "Nascida Ontem", Judy atuou em pelo menos meia dúzia de boas comédias que, a meu ver, desmentem a última frase do artigo do Ruy Castro. Duas com Cukor ("Da Mesma Carne" e "Demônio de Mulher"), duas com Richard Quine ("O Cadilac de Ouro" e "Um Casal em Apuros"), uma com Mark Robson ("Abaixo o Divórcio") e outra com Vincente Minnelli ("Essa Loura Vale Um Milhão"), na qual roubava todas as cenas, encarnando uma das "lôraburras" mais espertas já nascidas num palco da Broadway –e, certamente, a mais divertida telefonista de todos os tempos.
P.S.: A título de comparação, aqui vão alguns Q.I.s famosos: Stuart Mill (190), Goethe (185), Voltaire (170), Mozart (150), Thomas Jefferson (145), Napoleão (140), Leonardo da Vinci (135), Spinoza (130), Abraham Lincoln (125).

Texto Anterior: Judy Holliday redime as "lôraburras"
Próximo Texto: MPB tem destaque no JVC Jazz Festival
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.