São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Judy Holliday redime as "lôraburras"

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Nascida Ontem" é o filme com que Judy Holliday tirou o Oscar de melhor atriz de 1951 das mãos de Bette Davis em "A Malvada" e de Gloria Swanson em "Crepúsculo dos Deuses". O eleitorado de Bette Davis até hoje não se conformou com isso e os fãs de Gloria Swanson, entre uma e outra dispnéia pré-agônica, também continuam achando um desaforo.
Talvez porque não tenham prestado atenção a "Nascida Ontem". Pois é só rever o filme para se concluir que poucas vezes o Oscar fez tanta justiça a uma atriz. Judy dá um show de voz, maneirismos e expressões, e passa da deslavada canastrice à interpretação "séria" com uma delicadeza que, olhe, não sei se Davis ou Swanson fizeram igual em suas carreiras.
Judy Holliday faz desse filme a redenção de todas as "lôraburras", das quais, depois de Marilyn, ela foi a maior. Ela interpreta a mulher tapada que seu "noivo", um milionário e violento rei da sucata (genial interpretação de Broderick Crawford) precisa educar para que ela não dê vexame em Washington, onde ele está fazendo seus negócios escusos.
O encarregado de dar-lhe umas lições de língua e etiqueta é um repórter boa-pinta (William Holden), que, na verdade, quer descobrir as tramóias de Crawford. No processo, ele inocula noções de direito e justiça na cabecinha de Holliday e esta se rebela contra o seu homem. É "Pigmalião" com consciência social, para se aprender que não se deve fazer pouco de uma "lôraburra".
"Nascida Ontem" veio à luz como uma peça de Garson Kenin para a Broadway em 1946. Ficou em cartaz por 1.642 noites e matinês, ganhou todos os prêmios da época e revelou a desconhecida Judy Holliday. Pois, quando a Columbia resolveu filmar a peça, onze atrizes foram cogitadas para o papel. Foi preciso que o diretor George Cukor chamasse a Columbia à razão e desse o papel à atriz que parecia nascida para ele.
O próprio Cukor teve o bom senso de seguir a peça à risca. Com personagens e diálogos como aqueles, quem precisa sentir-se "no cinema"? Poucas vezes uma comédia americana foi tão sofisticada, inclusive politicamente, e, ao mesmo tempo, tão engraçada. Ponto para as platéias de 1951, porque o cinema fazia fé na inteligência delas.
Na vida real, a própria Judy nada tinha de burra. Em Nova York, integrava um grupo de teatro cheio de gente talentosa, como a dupla Betty Comden e Adolph Green (futuros roteiristas de "Cantando na Chuva"), Garson Kanin e sua mulher, Ruth Gordon (a bruxa de "O Bebê de Rosemary").
Judy teve problemas com o macartismo, foi mulher do saxofonista Gerry Mulligan e morreu de câncer em 1965, aos 43 anos. Hollywood, que a "descobrira" quando ela tinha 28, nunca soube o que fazer com ela depois de "Nascida Ontem".

Título: Nascida Ontem
Direção: George Cukor
Elenco: Judy Holliday, William Holden, Broderick Crawford
Produção: EUA, 1950, preto-e-branco
Distribuição: LK-Tel (tel. 011/825-5766)

Texto Anterior: Quadros exaltam passadismo e submissão
Próximo Texto: Personagem ignorante esconde atriz com tutano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.