São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Intelectual desempregado

ANTONIO DELFIM NETTO

O sucesso dos neofascistas nas eleições italianas coloca um problema preocupante. É verdade que não aconteceu na Itália nada parecido com os "expurgos" pós-guerra realizados nos outros países, principalmente porque o seu movimento de "resistência" foi "all'italiana"!
Na Alemanha houve o julgamento dos criminosos de guerra e um amplo movimento de reeducação imposto pelos americanos. Desde a metade dos anos 70 tem havido, na Itália, uma lenta reabilitação de alguns aspectos da política de Mussolini, pelo menos até a sua subjugação a Hitler.
A análise histórica menos apaixonada mostrou à esquerda delirante que por muito tempo o "Duce" teve, realmente, enorme legitimação popular, e não era sustentado apenas pelos mecanismos de coerção armada.
Tudo isso tem pequena importância enquanto se passa dentro de um quadro de ampla tolerância, protegido por um legítimo sistema pluripartidário. O preocupante é quando movimentos como esses coincidem com amplas flutuações da conjuntura e com o desemprego generalizado (ou são por estes produzidos?), como ocorre hoje na Europa e no Brasil.
A. D. Harvey ("Encounter", dez. 1976, 51) chamou atenção para o fato de que, já em 1661, Francis Bacon advertiu o rei James 1º sobre os perigos da existência de "scholars" sem possibilidade de usar seus talentos.
Eles eram um danoso fermento contra a estabilidade do reino. Todos sabem hoje que o desequilíbrio entre oferta e procura de universitários foi um dos fatores importantes nas revoluções de 1848, porque eles pretendiam saber como ajustar "o iníquo sistema econômico e libertar os homens da opressão do capitalismo triunfante". Testemunha disso é o velho Karl!
Mas talvez mais importante do que tudo é a análise dos quadros do partido nazista na Alemanha. Nos anos 30, 60% dos propagandistas do partido eram universitários, 75% dos quais eram desempregados. E, o que é pior, 25% da "elite" SS tinha cursos equivalentes ao PhD.
Os estudantes que estão sempre na vanguarda dos movimentos salvadores tinham um comportamento ainda mais trágico. Nas eleições dos centros acadêmicos, mais de 50% dos votos foram dados, no período 1930/31, para as facções de inspiração nazista!
O velho de Tocqueville já tinha uma explicação para isso no seu "L'Ancien Régime". O universitário que teve negado o seu acesso ao mercado de trabalho tem um conhecimento muito limitado de como funciona o sistema e é induzido por análises superficiais e gerais a uma relação simples de causa e efeito (estou desempregado porque o sistema não funciona), que o leva a um comportamento extremista.
O problema é que frequentemente as flutuações da conjuntura e o desemprego ocorrem porque se impede o sistema de funcionar (como é o caso, por exemplo, da política econômica da social-democracia), ou se pretende alegremente eliminar os efeitos perversos dos ajustamentos. É aqui que entra a "engenharia social", que acaba produzindo o partido único!
Amantes irrestritos da liberdade, intelectualmente preparados para "engenhar" instituições justas, sempre foram os seus coveiros...
Teremos aprendido a lição?

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