São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Overdose de Copa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Estão empurrando esta Copa do Mundo pela goela da gente. Não se pode abrir um jornal ou revista, ligar a TV ou o rádio: berram o tetra obrigatório para dentro de nossas carências públicas ou particulares.
A montagem está exagerada, artificial. O futebol –paixão nacional– está sendo superdimensionado como espetáculo. Ele até que é mais intimista e profundo. E é justamente nesse caráter intimista e profundo que devemos localizar o seu charme, a sua necessidade e, até mesmo, a sua transcendência.
O futebol ainda é a melhor metáfora do Brasil como um todo.
Como sentimento elementar da alma brasileira –elementar no sentido mais nobre–, o futebol perde sua graça quando se reduz às análises técnicas, às complicadas teorias da arte de chutar uma bola.
Tal como nas guerras, o orgasmo que ele provoca é fulminante e efêmero –como os demais orgasmos. É tedioso mexer e remexer, futucar essas coisas –sobretudo quando nelas se injeta uma dose pretensiosa de filosofia ou técnica.
Os entendidos ainda podem disfarçar, apreciar o jogo como arte pela arte –mas no fundo é frescura.
O maior cronista esportivo do país –que foi Mário Filho– percebeu a instantaneidade do futebol. Para ele, o jogo em si era secundário, dispensável. O que importava era o drama/comédia de cada lance, de cada partida, de cada jogador. Ele dedicou mais linhas ao assovio de Carrero –que o adversário confundiu com o apito do juiz marcando impedimento– do que a qualquer campeonato.
O livro de Mário Filho que a Companhia das Letras acaba de publicar é a visão mais dilacerada e legítima sobre o futebol-paixão. O sapo do Arubinha explica mais sobre as derrotas do Vasco do que as técnicas de seus treinadores e a pesada política de seus dirigentes.
Esse instante de genuína humanidade que o futebol exibe e dignifica nada tem a ver com o grande circo montado a cada quatro anos. Um circo que, de tão explicado, promovido, berrado e esmiuçado, acaba ficando chato.

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