São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Produzir pode dar cadeia

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Num país verdadeiramente democrático, nenhum segmento da sociedade pode monopolizar a culpa das mazelas nacionais. Mas parece que essa evidência não se aplica ao empresariado, que costuma ser responsabilizado, em bloco, por crimes que não cometeu.
Contrariando o bom senso, levantou-se uma barreira punitiva aos que produzem a riqueza do país, tendência que atingiu o auge com a nova lei antitruste, recentemente aprovada pelo Congresso.
As contradições jurídicas, as aberrações constitucionais, as ameaças penais e as consequências desastrosas dessa lei estão sendo insistentemente apontadas por diversos especialistas, jornalistas e políticos.
Não nos cabe descer a minúcias do que já está sendo exaustivamente comprovado. Mas devemos contribuir com o debate fazendo algumas ressalvas e considerações.
Em primeiro lugar, as entidades que represento não são, sob hipótese nenhuma, contrárias à existência de uma legislação antitruste. É imperioso que exista uma normatização das condutas e práticas abusivas para que o mercado possa funcionar de maneira mais eficiente. O que não se pode é confundir disciplina do mercado com controle de preços ou política antiinflacionária.
Toda a sociedade é testemunha dos prejuízos causados pelas contínuas intervenções do governo nos preços. Em certo momento, chegamos a confiar que essa prática estava definitivamente erradicada do país. Mas eis que a referida lei navega em sentido contrário ao conferir poderes excessivos ao Cade –Conselho Administrativo de Defesa Econômica–, transformando-o em autarquia e com garantias semelhantes à magistratura.
Corremos assim o risco de depararmo-nos com uma estrutura altamente burocratizada a ditar regras sobre a conduta cotidiana das empresas, a partir de critérios de extrema vagueza e ambiguidade, tais como "aumento injustificado de preços" e "elevação de preços sem justa causa".
Isso nos faz lembrar o CIP –Conselho Interministerial de Preços–, que acabou desvirtuado de suas funções originais, causando graves danos à economia do país.
O CIP inclusive acabou fomentando a cartelização dos preços numa época em que o governo ditava as leis do mercado, provocando assim o efeito contrário ao que se dispunha combater.
Já está comprovada que não é assim que se disciplina o mercado, com pressões unilaterais sobre a cadeia produtiva, sem a contrapartida aos abusos do poder econômico por parte do governo.
As empresas são especialmente vítimas de monopólios estatais e de reservas de mercado, tais como comunicações, combustíveis e energia elétrica, setores fundamentais para qualquer atividade produtiva e que não tem se pautado exatamente pelo equilíbrio orçamentário nem pela prudência em relação aos efeitos nocivos sobre o processo inflacionário.
Como pode então uma lei ameaçar a vida de empresas e seus responsáveis ao conter impropriedades de ordem jurídica como a do artigo 21? Este, ao prever que também caracterizam infrações à ordem econômica, além das 24 ali listadas, "outras... na medida em que configurem hipótese prevista no artigo 20 e seus incisos", sem que o legislador se tenha dado ao trabalho de defini-las.
O artigo 20, ao apontar atos que "constituem infração da ordem econômica independentemente de culpa", fere frontalmente o artigo 173 da Constituição Federal.
Achamos absolutamente descabida a previsão de prisão preventiva de empresários e administradores acusados de abuso de poder econômico, pois eles, antes de qualquer prova, já são colocados automaticamente como vítimas de imprecisões como a apontada acima.
A prisão preventiva serve para garantir a condução correta do processo penal e não pode transformar-se em instrumento de retaliação, altamente perigoso e inconveniente. Isso abre enorme margem de arbítrio.
Tudo isso basta para apontar o espírito corrosivo dos legisladores, que erram o alvo por inverter o diagnóstico. Pois não é o aumento de preço que é abusivo, mas a posição da empresa que não dispõe de concorrência e assim pode estabelecer o preço que bem entender.
E ao proibir, por exemplo, os pretensos faltosos de participar de licitações, isso significa estreitamento do mercado, o que é uma contradição de uma lei que procura exatamente defender a concorrência.
Ao tentar legalizar os preconceitos contra os empresários, o Congresso dá as costas ao ordenamento jurídico normal, que já dispunha de amplo acervo de medidas com os mesmos objetivos, como na lei delegada nº 4/62, seja na lei nº 4.137 do mesmo ano ou mesmo na lei nº 8.158/90. O problema maior é a aplicação da lei e não o furor legislativo.
O melhor antídoto para práticas abusivas continua a ser um mercado cada vez mais aberto e menos protegido –dentro da ética comercial que rege as relações internacionais da economia globalizada–, no qual o medo de perder clientes deve ser a punição mais temida.
O retrocesso que representa essa lei contraria todas as aspirações da sociedade ao desenvolvimento e coloca em xeque as intenções dos congressistas em relação às suas idéias sobre democracia. A livre iniciativa precisa de lucidez e não de rancor para vingar em definitivo no país.

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