São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 1994 |
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O Supremo e a greve
JOAQUIM FALCÃO No julgamento da greve dos servidores federais estavam em jogo duas definições básicas para a democracia. Primeiro, quais os limites do direito de greve assegurado pela Constituição. Segundo, quais os limites que o Supremo deve respeitar ao decidir conflitos fundamentais de nossa vida econômica e política. Sobre essa definição, chamo sua atenção, leitor.A Constituição manda o Congresso regulamentar o direito de greve. O Congresso não regulamentou. Para garanti-lo, a Confederação dos Servidores Públicos Federais impetrou um mandado de injunção. A partir daí o Supremo podia: a) ou declarar a greve um direito de eficácia plena que independe de regulamentação posterior, e considerava a greve legal, como indicou o ministro S. Pertence; b) ou declarar que a greve seria legal se respeitasse limites que o próprio Supremo estabeleceria, por analogia com outras leis, como queria o ministro Carlos Mário. E ponto final. Infelizmente, o Supremo não fez nem isso nem aquilo. Resolveu não resolver. Saiu pela tangente. Resolveu admoestar o Congresso, declarando-o em mora. O óbvio. O Brasil inteiro já sabia. Servidores e governo, inclusive. E porque já sabiam, pediram ajuda ao Supremo. Negada. Omitira-se o Congresso antes. Omitiu-se o Supremo depois. Em vez de implementar a certeza jurídica, concretizou a insegurança política. O Supremo hesita em tomar as decisões que o país espera que tome. Hesita em assumir responsabilidades de verdadeira corte constitucional. Opta por procedimentos de adiar, em vez dos de decidir conflitos. A pergunta que todos fazem é: "Em nome de que o Supremo hesita?" Não é em nome de interesses mesquinhos e pessoais. Não está em jogo a honradez dos ministros, fato de que o Brasil se orgulha. Estão em jogo doutrinas jurídicas e ideologias políticas que o Supremo implementa como necessárias ao bem do país. Quais foram as doutrinas e ideologias que o Supremo implementou? Não é difícil percebê-las. É fácil. A ideologia política da doutrina jurídica majoritária foi a seguinte: o Supremo acredita que se estabelecer, mesmo por analogia, limites legais para a greve dos servidores, invade a área do Congresso. A regulamentação deste direito cabe ao Congresso. Ultrapassaria os limites da separação dos poderes, fundamental para a democracia. Um poder não pode invadir outro. Com o que todo mundo concorda. Mas, todo mundo concorda também que inexiste invasão quando a própria Constituição manda que se um poder não cumpre a obrigação de decidir, outro o faça, para assegurar a liberdade dos cidadãos. Afinal, o direito de greve pode ser ameaçado por tanques ou pela omissão do legislador. Muitas vezes, tão violenta quanto. Em nome da separação dos Poderes o Supremo não quer legislar, mas legisla de qualquer maneira. A Constituição, por exemplo, não manda o Supremo declarar o Congresso em mora, nem suspender processos judiciais e administrativos, ou conceder prazo para outros poderes cumprirem obrigações, como fez em outros mandados de injunção. Nem a Constituição, código ou lei nenhuma. Mesmo assim o Supremo estabeleceu normas. Estranha doutrina essa! Proíbe o Supremo de aplicar por analogia normas de direito de greve elaboradas pelo Legislativo, mas permite criar normas sobre o procedimento dos outros Poderes! Incoerência. A consequência, certamente não-intencional, dessa doutrina é sobreviver uma ideologia política usada no autoritarismo: a esterilização do Supremo. O Supremo é apenas o locutor do Congresso. Quando não tem telepronto, o locutor nada lê! Cala-se. Fica mudo, olhando impassível, para a câmara da sociedade. Esta ideologia foi necessária quando o Executivo quis controlar o Supremo. O presidente Geisel tentou até impedir, através do procurador-geral, que o Supremo apreciasse as ações de inconstitucionalidade. O Executivo confiava mais num Congresso dominado pela Arena/PDS do que no Supremo. Infelizmente, com essa interpretação da separação dos Poderes, o Supremo impede que os mandados de injunção concretizem direitos e liberdades individuais. E se o Congresso nada decidir? Não regulamentar o direito de greve? Quem vai garantir nossos direitos? O Supremo lava as mãos? Para que serve então a separação dos Poderes se não viabiliza as liberdades? A separação não é um fim em si mesma. É meio para assegurar liberdades. Algo está errado. Não apenas com o Congresso omisso. Mas também com uma doutrina jurídica que interpreta a separação dos Poderes de tal modo que a inutiliza! Diante de uma decisão do Supremo, o cidadão só tem duas atitudes: ou acata e concorda. Ou acata, e discorda. Não se trata de ser contra ou a favor do direito de greve. Esta é outra questão. Trata-se de discordar de uma ideologia política que, sob o manto diáfano da doutrina jurídica, esteriliza o Supremo. É possível porém que o Supremo reveja essa tendência. A decisão não foi unânime. Foi oito a três. Sobretudo para evitar o alerta da professora de direito da PUC-RJ, Regina Quaresma: "Ao impedir que o mandado de injunção concretize direitos e liberdades, o Supremo contribui para arquivar o futuro". Texto Anterior: O desalinhamento dos preços e o real Próximo Texto: Aborto e coragem; Dissidência explícita; Mortes em São Carlos; TV estatal; Guia de Férias; Reais no lixo; Poesia no Mais !; Nome aos bois Índice |
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