São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Cinemateca francesa terá nova sede em 97

LÚCIA NAGIB
EM PARIS

A aproximação do centésimo aniversário do cinema tem suscitado amplas discussões sobre os métodos de historiografia cinematográfica, principalmente na França, berço da teoria do cinema.
Só mesmo na capital da cinefilia –que é Paris– teria sentido o grande projeto de museu que vem desenvolvendo a Cinemateca Francesa, com pretensões a um "monumento ao cinema", nas palavras de Dominique Pa‹ni, atual diretor da Cinemateca.
Trata-se da mudança do já existente museu, precariamente instalado no Palais de Chaillot, para o Palais de Tokyo, um prédio de 4 mil m2 construído em 1937 para fins de exposição.
A reforma da nova sede, que se estenderá por três anos e deverá consumir cerca de US$ 50 milhões, pretende adaptar o prédio a um conceito de transparência e integração, que facilitará a comunicação entre uma grande biblioteca, a escola de cinema (Femis) e o recinto de exposição, procurando satisfazer tanto o espectador comum como o estudioso e o produtor.
O ponto mais interessante –e controverso– da obra é o que se refere ao conceito do museu. Pa‹ni, idealizador do projeto, considera que o antigo espírito do colecionador não faz mais sentido.
A mera reunião e exposição de objetos "fetichizados", que alimentou os museólogos do passado (entre eles, Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa), já não encontra justificativa num momento em que a restauração e a preservação da própria película alcançaram um estágio altamente satisfatório.
A exposição de imagens estáticas também trai, segundo Pa‹ni, a característica básica do filme que é o tempo. Idealizou-se, assim, um museu para exibir o filme em si, do qual se selecionam sequências diversas a serem projetadas de forma simultânea e comparativa sobre telas justapostas.
Junto aos filmes, estarão expostos livros e outros materiais que lhe façam referência. Com isso, será possível observar, sob um ponto de vista crítico, a formação histórica dos diversos estilos cinematográficos.
Pa‹ni foi buscar suas idéias, não na museologia, mas em artistas modernos, particularmente autores de cinema, como Godard. Deste, cita com ênfase o filme/livro "História(s) do Cinema", constituído de uma colagem de trechos de filmes alheios. Daí se infere que seu museu não irá mostrar uma visão isenta, mas uma interpretação de caráter pessoal.
Em entrevista à Folha, Pa‹ni defende a teoria (bastante questionável) de que a exibição comparativa de trechos de filmes dos anos 20 poderia provar, por exemplo, que o famoso expressionismo no cinema alemão simplesmente não existiu.
Vê-se, portanto, a que ponto o ideal do autor ainda alimenta o pensamento francês. O projeto da Cinemateca tem tudo para se transformar em um "museu de autor".

Folha - Segundo sua concepção de museu de cinema, a noção de tempo seria mantida através da exibição paralela de sequências de filmes?
Dominique Pa‹ni - Trata-se de construir um museu que até hoje nunca existiu. Nele, a história do cinema não vai tomar por base os assessórios, relíquias ou depoimentos, mas os próprios filmes.
Parto da idéia de que a história do cinema, como a história das outras artes, só se torna possível através da comparação dos filmes entre si. Não se pode fazer a história de uma arte sem a história do estilo dos artistas.
Folha - A partir dessa teoria, você chega a conclusões surpreendentes, negando, por exemplo, a existência do cinema expressionista alemão.
Pa‹ni - O expressionismo alemão existiu para Lotte Eisner de maneira cômoda, numa tentativa de unificar um momento da história do cinema alemão. Mas sabemos hoje –e Langlois já o dizia– que a noção de expressionismo no cinema nunca existiu. Entre Pabst, Murnau, Lang não havia nada em comum, sob o ponto de vista dos universos estéticos.
Os elementos comuns do cinema alemão daquela época não compõem um estilo estético. São temas, preocupações com relação à realidade e à questão "o que é o cinema". Havia uma maneira alemã, nos anos 20, de dar respostas vizinhas a essa questão, mas não havia semelhanças do ponto de vista cenográfico, plástico.
O cinema de Murnau e o cinema de Lang não se parecem. No entanto, é provável que os personagens Nosferatu (de "Nosferatu", de Murnau), Cesare (de "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Wiene) e Dr. Mabuse (da série "Dr. Mabuse", de Fritz Lang) tenham em comum a hipnose, o inconsciente, uma dimensão mecânica e uma profunda relação com a idéia de que o cinema devolve vida aos mortos.
Folha - O método comparativo evitaria tais equívocos?
Pa‹ni - Comparando esses filmes, logo se percebe que não têm nada em comum do ponto de vista visual, mas apresentam pontos de contato perceptíveis com o tempo.
É preciso ver a obra cinematográfica se desenvolver no tempo, e não apenas comparar uma imagem com outra imagem. Não se deve considerar o cinema como uma obra plástica, embora possamos às vezes destacar dimensões plásticas da imagem cinematográfica.
O cinema não tem nada a ver com uma obra de espaço.

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