São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994 |
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Lula busca ser versão brasileira de Mandela
CLÓVIS ROSSI
Esta reportagem informa incorretamente que Johannesburgo é a capital administrativa da África do Sul. Na realidade, a sede do Executivo sul-africano está em Pretória. Por sua importância econômica, Johannesburgo pode ser considerada a "capital financeira" do país. Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato presidencial do PT, encontra-se amanhã de manhã com Nelson Mandela, líder negro e atual presidente sul-africano, do qual Lula acredita ser a versão branca e brasileira. A comparação é um exagero fácil de desmontar por uma simples olhada na biografia dos dois homens públicos. Mandela passou 27 dos seus 75 anos na cadeia; Lula, uns poucos dias. Mandela é prêmio Nobel da Paz; Lula sequer foi indicado para idêntico prêmio. Mandela já é o presidente, eleito em abril após seu movimento, o CNA (Congresso Nacional Africano), ter recolhido quase dois terços dos votos na primeira eleição multi-racial da história sul-africana. Lula pode até vir a ser o presidente, a partir de 1995, mas nem os seus sonhos mais delirantes incluem obter dois terços dos votos. Se, no entanto, Lula tivesse feito a comparação entre a herança que Mandela recebeu dos brancos que governaram a África do Sul durante 342 anos e a herança de qualquer presidente brasileiro pós-eleição estaria bem próximo da realidade objetiva. Simbólico a respeito é o fato de ter se cunhado no Brasil a expressão apartheid social, para se referir às imensas carências sociais da população brasileira. Apartheid, a seco, era o regime de segregação racial vigente na África do Sul e sepultado pelas eleições de abril passado. Lá como cá, resta o apartheid social. Se o Brasil, conforme o Índice de Desenvolvimento Humano recém-divulgado pelas Nações Unidas, é o segundo pior país em distribuição de renda (ganha apenas da africana Botsuana), o cenário na África do Sul é igualmente terrível. Um exemplo basta: apenas seis grandes grupos econômicos controlam quase 90% das empresas cotadas na Bolsa de Valores de Johannesburgo, a capital administrativa. O conjunto de empresas listadas na bolsa produz 50% do PIB sul-africano (Produto Interno Bruto, medida da renda nacional). O panorama é idêntico no campo: 14% dos proprietários ficam com 90% da terra. É natural, por isso, que haja enorme similitude entre as promessas de campanha feitas pelo CNA e as que faz o PT (veja quadro nesta página). Até porque os dois grupos têm uma certa afinidade ideológica. O CNA é um movimento amplo, que se define como multi-racial, embora seja predominantemente negro. Está aliado a correntes marxistas, como o Partido Comunista, que colocou 16 de seus nomes entre os 50 primeiros na lista do CNA para a Assembléia Nacional eleita em abril. Há pouco mais de um mês no cargo, Mandela poderá transmitir a Lula como muda a visão de um homem público, quando passa da oposição ao palácio do governo. Para Lula, a viagem à África do Sul tem um duplo valor. Serve para a campanha, em primeiro lugar. "O encontro dos dois tem, é claro, um caráter simbólico", diz o historiador Marco Aurélio Garcia, coordenador do programa de governo do PT. Traduzindo: pode render votos aparecer em fotos ao lado de uma personalidade de fama e prestígio internacionais, identificado com a causa dos excluídos, como Mandela. Mas serve também para o futuro, se o PT ganhar. "O programa do PT privilegia as relações com os países latino-americanos, em especial os sul-americanos, mas também com os países que, por seu tamanho e potencial econômico, não são absorvíveis pelos grandes blocos", diz Marco Aurélio. O historiador refere-se às chamadas "baleias" (como contraposição aos pequenos e afluentes "tigres asiáticos"), países de grandes dimensões como China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul. Texto Anterior: Quércia se diz ruim de pesquisa e bom de voto Próximo Texto: COMPARE AS PROPOSTAS DO CNA E DO PT Índice |
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