São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Pesos iguais, medidas idem

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Na semana passada, o diretor-executivo da Sucursal de Brasília, Josias de Souza, e a editora de Política da Folha, Paula Cesarino Costa, fizeram publicar ao lado da coluna da ombudsman uma réplica ao texto que saiu em 5 de junho, "Dois pesos e duas medidas". Não tenho intenção de que isto seja uma tréplica, nem quero manter a polêmica (ainda que, como manda a praxe da Folha, possa responder à Redação sempre que achar necessário; da mesma forma, a Redação tem o direito de responder à ombudsman).
Ocorre, entretanto, que algumas observações sobre a réplica precisam ser feitas. O caso, se o leitor não se lembra, resumo aqui: na coluna de 5 de junho, escrevi que a Folha tem acessos de "fernandohenriquismo" na cobertura das eleições. Josias e Paula responderam reafirmando o apartidarismo do jornal. Apresentei como exemplo a cobertura da campanha de rua de Lula e FHC na quinta-feira, 2 de junho, comparando o tom do jornal em cada uma. Eles rebateram com exemplos de 12 outras reportagens publicadas na Folha.
Mas Josias e Paula começam errando. Jamais acusei a Folha de ser "fernandohenriquista", como eles escreveram na réplica. Vamos ao texto que gerou este caso: "Em várias destas colunas de domingo, já escrevi que a Folha pratica, aqui e ali, `fernandohenriquismo' em seu noticiário." Era a primeira frase de minha coluna, ou o lide, como se diz em jornalismo. Jamais insinuei que a Folha fosse partidária, pelo contrário. Vamos ao texto, de novo: "(...) A Folha é um jornal apartidário, faz questão desse rótulo, (...) o que é louvável. Até o momento em que escrevo esta coluna, nada nem ninguém faz supor que a Folha vá se permitir apoiar um candidato às eleições." Este era o segundo parágrafo.
Josias e Paula afirmam, na réplica, que não ouvi o "outro lado", ou seja, a Redação, para que ela desse sua opinião no caso. Discordo. As observações que o leitor conheceu na coluna de domingo, 5 de junho, estavam na crítica interna daquela quinta-feira, 2 de junho, em que a Folha escorregou na cobertura da campanha de Lula e FHC. A Redação se absteve de respondê-las (poderia fazê-lo a qualquer momento, como manda o Manual), só se preocupando com isso quando elas se tornaram públicas. O silêncio entre a quinta e o sábado, dia em que escrevo minha coluna, me fez crer no velho "quem cala, consente".
Josias e Paula dizem, ainda, que cometi uma injustiça contra o jornal ao apontar seu "fernandohenriquismo". Se é assim, os leitores que já escreveram ou telefonaram reclamando do mesmo fenômeno são também injustos com a Folha. São muitos, e seus protestos têm sido sistematicamente enviados à Redação –assim como os protestos de quem acha que a Folha é "lulista", "quercista" e por aí vai. Só na semana passada, 27 leitores manifestaram à ombudsman apoio pela coluna que gerou este caso, e vários deles listaram outros exemplos de "fernandohenriquismo" no jornal. Quatro escreveram para dizer que estou errada; dois desses disseram que revelo simpatias por Lula. Suas cartas também foram remetidas à Redação.
Josias e Paula me convidam para um mergulho nas edições da Folha, de modo a ver como o jornal é equilibrado diante de FHC. Pedem que eu tenha fôlego para chegar até a edição de 14 de maio. Fui além, até a de 10 de abril, quando a Folha saiu com a manchete: "Lula e FHC lideram pesquisa." O petista tinha 36 pontos; o tucano, 20. Na coluna de domingo, 17 de abril, chamei essa manchete de "fernandohenriquista"; nada me foi respondido. Idem na semana anterior, quando cravei o neologismo pela primeira vez, protestando (em nome dos leitores, sempre) contra a hierarquização do noticiário eleitoral. Poderia ir até 17 de março e sua manchete "FMI dá apoio a Fernando Henrique" –coisa que jamais ocorreu; o FMI soltou, no dia anterior, uma nota protocolar de apoio ao plano de estabilização do governo, não a seu ministro da Fazenda. Escrevi isso na crítica interna e na coluna de domingo, 20 de março. Fiquei sem resposta.
Continuo achando que a Folha protagonizou mais episódios de "fernandohenriquismo" do que qualquer outro "ismo" na cobertura destas eleições. Nas duas últimas semanas, entretanto, o fenômeno desapareceu. Talvez seja efeito da atuação da ombudsman, mas prefiro achar que a Redação reencontrou seu distanciamento crítico. Se o "fernandohenriquismo" continuar sumido, não vejo razão de voltar ao assunto ou cultivar a polêmica. Ao leitor, porém, prometo a mesma vigilância que ele tem mantido sobre o jornal.
Por fim, Josias e Paula escreveram que tomei "a defesa dos leitores simpatizantes do PT e, por consequência, do próprio candidato petista" na coluna de 5 de junho. Bobagem. Desafio qualquer um, dentro e fora da Folha, a encontrar uma frase em que eu tenha defendido Lula, o PT ou os petistas nas críticas internas ou nas colunas de domingo. Não escrevi que o jornal deveria aliviar as críticas contra Lula (o que vários leitores petistas sugerem, mas seria mau jornalismo), e sim reforçá-las contra FHC. O que defendi, sempre, foi o uso de pesos iguais e medidas idem em relação a qualquer fato, entidade ou pessoa, Lula e FHC e seus partidos incluídos. Não é por outra razão, quero crer, que a Folha arrolou em sua defesa, no processo que Lula move contra o jornal baseado na Lei de Imprensa (o caso da doação de verbas da CUT para o partido), a coluna da ombudsman de 28 de novembro. Escrevi ali que as denúncias da Folha contra o PT são "irretocáveis como jornalismo".

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