São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Esquizofrenia precisa de nova abordagem sexual

ANA CRISTINA CHAVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

É sabido que as mulheres têm uma evolução melhor do que os homens na esquizofrenia. Um estudo realizado no Programa de Esquizofrenia da Escola Paulista de Medicina constatou que, apesar de não haver diferenças entre os homens e mulheres na expressão da doença, a influência dos sintomas sobre o desempenho social era diferente entre os sexos.
O desempenho social nos homens estava relacionado a sintomas como embotamento afetivo, isolamento social, falta de vontade e de espontaneidade e contato pessoal pobre. Os papéis sociais femininos também eram afetados por estes mesmos sintomas, mas outros sintomas –como delírios, alucinações, desconfiança e hostilidade– também prejudicavam o desempenho social das mulheres.
Esse achado, que publicamos na revista "Schizophrenia Research", nos EUA, em 1993, levou-nos a pensar por que sintomas como delírios e alucinações estariam relacionados ao pior desempenho social somente no sexo feminino. Isso ocorre, provavelmente, porque, além da maior exposição às situações sociais, o tipo de papéis desempenhados pelas mulheres são possivelmente mais abalados por este tipo de sintomas.
É conhecido em esquizofrenia que as mulheres apresentam um desempenho social melhor do que os homens, principalmente em relação à atividade ocupacional. Além disso, têm maior probabilidade de serem casadas e de terem filhos.
Já para as mulheres na população geral, casamento, gravidez e maternidade são aspectos importantes em muitos casos difíceis de serem conciliados com a atividade ocupacional. As dificuldades e os problemas secundários ao relacionamento com o marido, no cuidado dos filhos e nas tarefas domésticas fazem parte do cotidiano da maioria das mulheres e são fonte de muito estresse.
Para as pacientes esquizofrênicas, as dificuldades são ainda maiores, já que várias têm que trabalhar fora, enquanto outras acabam abandonando o cuidado dos filhos devido à persistência dos sintomas ou por outras razões relacionadas à doença.
Esses aspectos podem ser observados nos relatos das pacientes: "quando tenho que arrumar a casa e não estou com vontade, escuto vozes que me incentivam a começar a tarefa. Depois de um tempo, as vozes aumentam e acabo ficando atordoada e não consigo terminar o que comecei".
Estes problemas não são frequentes nos homens, pois além de terem uma possibilidade menor de casarem e terem filhos, esses não são os tipos de papéis socialmente esperados para o sexo masculino.
A maior incidência em homens solteiros está relacionada à idade de início mais precoce da doença, a um desenvolvimento psicossexual mais comprometido e a uma demanda cultural por um comportamento sexual mais ativo.
Os homens se queixam muito da solidão, e a falta de namorada é uma fonte constante de sofrimento. Frequentemente estão desempregados e em muitos casos o início da doença foi muito precoce e impediu a profissionalização desses indivíduos. Podem passar o dia todo sem fazer nada, deitados em frente à televisão. Muitas vezes esse comportamento é mal interpretado pelos familiares que acabam considerando-os preguiçosos e vadios.
É descrito que expressões de críticas e hostilidade por parte dos familiares tem muita influência no reaparecimento dos sintomas psicóticos. Este tipo de atmosfera familiar é mais comum nos pacientes do sexo masculino e pode ser um dos fatores responsáveis pela maior taxa de recaídas neste sexo.
As preocupações dos familiares são diferentes entre os sexos. Os familiares dos homens ficam mais preocupados com a agressividade e a impulsividade sexual. Tendem a se culpar mais pela doença do filho. Culpam-se uns aos outros por não terem reconhecido o problema mais precocemente ou por terem tratado o filho como "mau" ao invés de "doente".
Os familiares das mulheres preocupam-se mais com a possibilidade de ficarem grávidas ou de serem abusadas sexualmente. Se a filha for mãe, preocupam-se com o bem estar dos netos.
Essas diferenças entre homens e mulheres na expressão da doença foram ignoradas por um longo período na pesquisa em esquizofrenia e somente nesta última década vêm sendo melhor documentadas.
Como as características da esquizofrenia são diferentes entre os sexos, o programa de tratamento deve ser sensível a estas diferenças. Deve considerar todas as facetas no manejo clínico, incluindo preocupações familiares, influências psicossociais e terapias medicamentosas.
A esquizofrenia pode ser considerada um problema importante de saúde pública. Em alguns países, como os EUA, seu custo chega a ultrapassar o gasto com outras doenças graves como diabetes.
No Brasil, dados recentes também mostram o custo elevado do atendimento ao paciente esquizofrênico.
Com muita frequência, os indivíduos não conseguem entrar no mercado de trabalho, podendo ficar incapacitados pelo resto de suas vidas. Muitas vezes seus familiares têm que parar de trabalhar para poder cuidar de seu parente doente. Além disso, a experiência de estar "louco", tanto para os homens como para as mulheres, é uma das mais doloridas e significativas.
As estranhas percepções, as emoções inexplicadas e os pensamentos desorganizados podem ser experenciados como armadilhas da própria mente. Mas isso pode ser somente o início do que está por vir, pois logo a família identifica-o como "louco" e começa a tratá-lo de uma nova maneira.
Há também rejeição da sociedade. Os doentes mentais não são, em geral, bem-vindos à maioria das atividades sociais.
A constatação de que a esquizofrenia é uma doença que causa um grande sofrimento ao paciente e seus familiares e de seu alto custo à sociedade faz com que investigadores no mundo inteiro se dediquem à pesquisa e à busca da etiologia da doença.

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