São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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EUA têm influência mundial problemática

PAUL SAMUELSON

Os Estados Unidos têm sido, em termos econômicos, uma força potente a mover a recuperação mundial. Nossa locomotiva macroeconômica vem estimulando a produção doméstica, e nosso Produto Nacional Bruto criou bons mercados para os exportadores estrangeiros –e isto exatamente numa época de recessão, quando eles precisam muito de estímulos.
Este lado econômico do quadro geral tem sido o lado bom. Quando se trata de política, a influência dos EUA sobre o mundo tem sido mais problemática. O presidente William Clinton tem repetidas vezes suscitado expectativas estrangeiras, apenas para depois recuar e desapontá-las.
Assim os Estados Unidos se manifestam em alto e bom tom contra os ditadores militares no Haiti. A Iugoslávia é avisada repetidas vezes por Washington que a limpeza étnica e a guerra civil entre sérvios, croatas e bósnios não deve continuar a matar pessoas e dizimar comunidades.
Em algumas instâncias, os EUA realmente começam a agir. Assim, o presidente Bush realmente juntou-se às forças da ONU para infligir uma derrota retumbante ao Exército iraquiano de Saddam Hussein, depois que este invadiu o Kuait, rico em petróleo. E para aliviar a fome maciça na Somália, tropas norte-americanas se juntam às de outra nação para policiarem a distribuição dos alimentos que a população esfomeada precisa tão urgentemente.
Um jogo de xadrez ou um empreendimento militar não são coisas que estão realmente concluídas até estarem realmente concluídas. O tirano iraquiano foi deixado no poder, inabalado, ainda em posse (anos mais tarde) de armamentos e armas químicas ofensivas. Assim que as tropas estrangeiras retornaram, depois de controlar os chefes militares rivais na Somália, as condições nesse país reverteram à anarquia da perturbação civil e da vigência da ilegalidade.
Nenhuma paz de fato nem perspectiva de uma reaproximação futura se concretizou até agora na Iugoslávia. As sanções que visavam prejudicar os governantes militares do Haiti até agora vêm prejudicando todos os haitianos menos os da elite. As novas e mais duras sanções que estão para serem postas em prática podem muito bem acabar exercendo as mesmas consequências perversas.
Estes fatos tristes da história recente estão presentes nas mentes dos responsáveis pelas estratégias nacionais, que precisarão confrontar-se mais uma vez com o perigo da bomba nuclear que a Coréia do Norte talvez possua. Este Estado totalitário violou suas obrigações sob o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e se recusa a permitir a inspeção que poderia verificar se houve ou não um desvio de plutônio de sua produção de energia elétrica para estoques de bombas atômicas escondidas.
Tendo trabalhado com radares militares durante a Segunda Guerra Mundial, só posso considerar séria a ameaça norte-coreana. Espantou-me o fato de que por muito tempo a própria Coréia do Sul pareceu ignorar ou minimizar o perigo. E me pareceu inquietante que a esquerda japonesa, sob o manto de um pacifismo humanitário, se opunha a duras sanções contra a Coréia do Norte.
A China esteve do lado da Coréia do Norte quatro décadas atrás, durante a guerra civil coreana, quando os EUA se aliaram à Coréia do Sul. Mas a China compartilha com o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan uma vulnerabilidade geográfica, no caso da Coréia do Norte dispor de um arsenal de armas nucleares.
É racional confiar que os dirigentes norte-coreanos tomem decisões racionais? Uma resposta afirmativa a esta pergunta seria tranquilizadora, porque se a Coréia do Norte usasse bombas atômicas, o resultado a longo prazo seria desastroso para sua população. Mas sabemos, pela intransigência de Fidel Castro na ocasião em que o premiê Nikita Khruschov recuou diante do ultimato do presidente John F. Kennedy contra as bases aéreas soviéticas em Cuba, em 1962, que não se pode contar com líderes totalitários para agirem com racionalidade em assuntos deste tipo.
É paradoxal que os Estados Unidos, a maior potência mundial e a que tem menos a temer a precipitação dos norte-coreanos, seja a única nação da ONU mais inclinada a favorecer rigorosas sanções internacionais visando limitar a proliferação de armas atômicas.
Talvez a resposta para este quebra-cabeças seja a seguinte: talvez a China não tenha dúvidas de que a Coréia do Norte possui uma ou mais bombas. Talvez ela tenha perdido as esperanças em relação a este assunto e prefira tentar apaziguar a Coréia do Norte, em lugar de provocá-la.
Talvez a China e o Japão, lembrando como Clinton recuou em tantas outras situações internacionais, hesitem em provocar o potencial agressor, introduzindo medidas que seriam inefetivas demais para atingirem seus objetivos. Talvez tenham começado a enxergar o presidente Clinton como sendo indeciso e não-confiável.
Na minha leitura da história recente, Clinton não deve ser considerado culpado de defeitos pessoais. É correto mostrar-se indeciso em relação à Iugoslávia, quando populações democráticas não se dispõem a apoiar medidas que talvez atolassem seus combatentes num impasse de longa direção, e que a longo prazo teriam pouca probabilidade de resolver a partilha étnica.
Depois que a ONU havia salvo centenas de milhares de africanos da morte imediata pela fome, era inviável tentar instalar uma força estrangeira permanente para manter a paz civil na Somália.
O chanceler Helmut Kohl dá mostras da mesma indecisão demonstrada pelos presidentes François Mitterrand e Bill Clinton. Não existe um primeiro-ministro japonês forte que possa liderar seu povo e levá-lo a enviar homens e dinheiro para o exterior, para apoiar causas humanitárias.
Quando os Estados Unidos desfrutavam de quase metade do PNB mundial, no fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, eles podiam adotar um programa de poder unilateral que hoje é impossível para qualquer nação sozinha, ou mesmo para qualquer grupo pequeno de nações. Hoje, simplesmente, não existe qualquer substitutivo prático para uma política cooperativa dos países e blocos principais. Em última análise, 260 milhões de americanos vão se juntar a um bilhão de pessoas no exterior para defender a estabilidade da ordem global.
Mas apenas quando a ameaça comum for global e inequívoca é que surgirá determinação comum de arriscar vidas humanas e prosperidade apreciável para fins internacionais. É um fato realístico.

Tradução de Clara Allain

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