São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Nem preto, nem branco

A pesquisa realizada pelo Datafolha junto a empresários, que se publica hoje, revela um cenário surpreendente. Pois, se predomina o apoio do empresariado a Fernando Henrique Cardoso, ao mesmo tempo não se constata pânico com a hipótese de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Nem oito nem oitenta, pragmaticamente, o empresário brasileiro parece ver na política um horizonte de possibilidades com as quais já cansou de entusiasmar-se.
A eleição presidencial de 1989 foi uma espécie de tudo ou nada, uma polarização ideológica absoluta que a muitos pareceu decisiva. Tornou-se emblemática daquele momento uma declaração do então presidente da Fiesp, Mário Amato, anunciando a saída de 800 mil empresários caso o petista vencesse as eleições. Lula perdeu, o anti-Lula foi o que todos viram e o tal momento decisivo, histórico, de transformação democrática revelou-se afinal menos dramático, determinante ou irreversível.
Vieram depois o plebiscito e a revisão constitucional, novamente mobilizando a opinião pública e recriando as expectativas de virada, de mudança estrutural, de salvação do país, apesar dos pesares. Mas, novamente, o que se viu foi a transição lenta e gradual, o "plus ça change, plus c'est la même chose". Sem falar no próprio impeachment, mobilização ética e política que afinal deu lugar, de novo, a um outro governo, incapaz de corresponder às expectativas de mudança política e ajuste econômico.
As eleições ainda estão longe, ainda passarão a Copa, o Plano Real, as campanhas pelo rádio e TV. Mas, diferentemente de 1989, o que se vê agora é, se não uma resignação, ao menos uma quase indiferença que brotou e se afirmou ao longo de ciclos sucessivos de frustração da euforia cívica, política e institucional. Um exemplo é a proporção dos empresários indecisos ou que rejeitam todas as candidaturas, 19%, comparáveis aos 20% de eleitores indecisos e, provavelmente, bem menos informados que a média dos empresários.
A pesquisa revela ainda que o número dos que acreditam na vitória de FHC é menor que a proporção de eleitores desse candidato. Ou seja, há uma parcela dos eleitores de FHC que duvida de sua vitória. Ainda assim, do ponto de vista econômico, o pragmatismo é evidente: 83% dos empresários afirmam que suas empresas continuarão investindo no Brasil.
Hoje, ao contrário de 1989, há polarização, mas não há tanta radicalização. Agora, o presidente da Fiesp, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, até admite algum apoio a um eventual governo Lula.
É cedo para apostar em tendências eleitorais firmes, mas o clima de segundo turno antecipado domina aos poucos as análises dos especialistas. Ainda assim, tanto porque mudou Lula quanto porque FHC não é Collor, o clima em 1994 em nada lembra a histeria de 1989.
O mesmo vale para o plano de estabilização que se espera venha a alterar os dados do embate eleitoral. O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, repetidas vezes avalia os limites do plano, as opções por soluções mais flexíveis no câmbio, por exemplo, como decorrência da incerteza eleitoral que impede uma aposta absoluta e radical na conversibilidade ou na inflação zero. Chega mesmo a admitir que só mesmo em agosto haverá condições de perceber quão baixa será a inflação sob o real. Ou seja, na economia como na política, impera hoje uma atitude pragmática, confiante mas não eufórica e nunca, como nos tempos do Cruzado, messiânica.
Terá amadurecido a sociedade? Há por certo algum amadurecimento, e muito cansaço. Ainda há muito o que fazer e novos momentos "decisivos" virão. Mas, ao contrário da usual expectativa de as coisas se colocarem preto no branco, surge aos poucos uma esperança mais matizada, cautelosa e tolerante.

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