São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Embargo irracional

O regime de Fidel Castro, em Cuba, é uma ditadura, seja qual for o ângulo pelo qual se analise a situação da ilha caribenha. Ainda assim, é difícil discordar do presidente cubano quando ele se queixa, como o fez na Cúpula Ibero-Americana de Cartagena (Colômbia), recém-encerrada, do silêncio de seus pares, exceto Itamar Franco, quanto ao bloqueio que os Estados Unidos impuseram à ilha, já faz 32 anos.
Há pelo menos dois argumentos fortes para sustentar que o embargo é uma violência inaceitável. O primeiro é de ordem humanitária. Ficou absolutamente cristalino, nesses 32 anos, que quem sofre os efeitos do bloqueio é a população cubana e não os mandatários.
O regime não caiu em consequência do embargo, mas o padrão de vida da população em geral está caindo continuamente, ainda mais agora que Cuba já não pode contar com o fluxo de recursos que vinha da extinta União Soviética.
O segundo argumento é comparativo. Não há como justificar a manutenção do embargo a uma ditadura como a cubana, enquanto se concede a outra ditadura, até mais brutal, a da China, o tratamento de parceiro comercial preferencial, como faz o governo dos EUA.
Ou se admite que ditadura é ditadura, em qualquer circunstância, ou se aceita que uma ditadura pode ser mais palatável, desde que ofereça negócios mais suculentos. Não há como negar que essa diferença introduz uma grande dose de cinismo no relacionamento entre as nações e torna o embargo contra Cuba ainda mais inaceitável.
Cabe outra comparação: o mapa político latino-americano esteve pontilhado de ditaduras militares, durante os anos 70 e parte dos 80. Nem por isso os Estados Unidos impuseram embargo a tais regimes, se não os ajudaram. De novo, ou ditadura é ditadura, de direita ou de esquerda, ou desaparece a lógica "democrática" por trás do embargo.
Na verdade, o bloqueio a Cuba é um resquício da Guerra Fria. Os Estados Unidos parecem manter vigente, apesar da falência do comunismo, a tese de que regimes socialistas são toleráveis em outras partes do mundo, mas não no que antigamente se costumava chamar de o seu "quintal".
É evidente que a vigência de uma ditadura obscurece o mérito cubano de exibir alguns bons indicadores sociais, em comparação com outros países da região, Brasil inclusive. Não se podem absolver os regimes totalitários só porque um deles, eventualmente, produz estatísticas até certo ponto positivas.
Não será estrangulando Cuba, por meio do embargo, que se vai torná-la um país democrático. O raciocínio correto é exatamente o oposto: a integração de Cuba ao sistema interamericano faria mais pela democratização da ilha do que o seu isolamento. A convivência com países que, hoje, são quase todos democráticos teria um efeito demonstração formidável.

Texto Anterior: AMOR PROFANO; PREÇO DA ÉTICA; CANETA PRÓDIGA
Próximo Texto: Pobre Maquiavel
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.