São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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Pobre Maquiavel

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A tecnologia do roubo se aperfeiçoa a cada dia. Vejam só: nesta semana, roubaram um dinheiro que nem existia! Só mesmo no Brasil...
Confesso não ter acreditado no repórter quando ele informou que, 15 dias antes de nascer, roubaram o real e jogaram-no na lata do lixo.
A minha primeira reação foi de indignação. Mas, conversando com um amigo, fomos evoluindo para um raciocínio bem mais preocupante. O que nos intrigou foi a trajetória do fato. O dinheiro saiu do Banco do Brasil e foi parar na lata do lixo do Congresso Nacional.
É evidente que as moedas só podem ter sido tiradas do banco com a ajuda de alguns "facilitadores". Afinal, o Banco do Brasil –como fazem os demais bancos– deve guardar o dinheiro naqueles cofres gigantescos, cheios de segredos e que têm várias chaves sob a custódia de diferentes pessoas.
Além disso, quem rouba uma moeda inexistente deve ser movido por uma incontrolável tentação de colecioná-la ou por uma grande necessidade de usá-la. Depois de tamanha façanha, jogar o dinheiro no lixo não faz muito sentido em nenhum dos dois casos.
Finalmente, há lixos e lixos. Quem tem tanta vontade de jogar dinheiro no lixo, joga no primeiro lixo que encontra. Não há por que sair procurando um lixo "nobre" como o do Congresso Nacional. Trata-se, sem dúvida, de um lixo especial, pois foi lá que se aprovou o plano econômico, a URV e o real.
Feitas essas especulações, olhamos um para o outro e perguntamos em uníssono: será isso? Tudo indica que sim. O famigerado gesto teve o propósito de desmoralizar o plano econômico, escolhendo-se o Congresso Nacional como palco do grotesco espetáculo. Certamente, o experiente Maquiavel teria muito o que aprender aqui no Brasil...
Tudo isso chegaria a ser cômico se não fosse triste. Triste e grave. Muito grave. Os combatentes do plano infiltram-se por todas as partes e estão se armando para derrotá-lo –sem propor absolutamente nada em seu lugar.
Amanhã é a nossa estréia na Copa do Mundo. Enfrentaremos jogadores que vêm de um país que foi destroçado pelo corporativismo e pela cultura da preguiça que, no fundo, defendiam ser possível viver sem trabalhar.
Talvez seja isso o que pensam os ladrões de moedas no Brasil. São os que desejam transformar o país numa Grande Rússia, dominada pelo corporativismo e gerida por burocratas fanáticos.
Bem, é melhor mudar de assunto mesmo. A boa notícia da semana foi a vitória das nossas meninas do basquete. A má notícia ficou por conta da anêmica cobertura dada pela mídia e ao ridículo "presente" concedido a cada jogadora: US$ 2 mil.
Esta é uma hora de reconhecermos o talento, a disciplina e a grandeza das nossas estrelas. Parabéns, brasileiras! Bravo, meninas! Oxalá os nossos rapazes venham a repetir o seu feito nos Estados Unidos. Afinal, mídia é que não lhes falta.

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