São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
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A mesquinharia dos magnânimos

LUÍS NASSIF

A questão do liberalismo ou intervencionismo na atuação do Estado tem dois ângulos.
No plano intelectual, resume-se a um embate em torno de idéias vagas, que quase nunca induzem à ação.
Discute-se no vazio, numa polêmica cacete, sem nenhum travo de realidade, onde geralmente o máximo de esforço a que cada lado se permite é xingar o outro de neoliberal ou de intervencionista.
Em geral, comportam-se como velhas carpideiras, que trazem lamúrias em vez de soluções, ceticismo em vez de ação, que abrem mão de se constituírem em agentes de transformação, para se limitarem a ser mero retrato adjetivado da impotência do leitor comum.
Vieram ao mundo para se lamentar, não para mudar ou correr riscos.
Enquanto flanam sua indignação por sobre as fraquezas da humanidade, a classe política encara a discussão a seu modo, fria, objetiva e abrutalhada como um machado de açougueiro. Opta-se sempre pela alternativa que permita melhor ganho político, e menor responsabilidade social, independentemente de maiores considerações intelectuais.
Pergunte-se a esse grande baluarte do neoliberalismo da política, prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, como ele encara a discussão.
Na saúde, ele é a favor do neoliberalismo, mas apenas por que é a maneira mais fácil de abrir mão da responsabilidade do município sobre uma área crucial, que consome energias sem retribuir em dividendos eleitorais.
Intermediação
Na questão do lixo –que interessa diretamente às grandes empreiteiras– é um semi-neoliberal quase convicto.
Há anos está parado no Japão um financiamento para uma usina municipal de lixo –que seria rigorosamente auditada pelo próprio Japão e não pelo Tribunal de Contas do Município. Sua administração não se interessou.
O correto, então, seria propor uma legislação obrigando indústria e comércio a se responsabilizarem por seus respectivos lixos. Depois, abrir o mercado para grupos que instalassem usinas de lixo e disputassem a clientela livremente, oferecendo qualidade e preço.
Mas aí cessa a intermediação política sobre a área.
Ganha o município, que terá uma cidade mais limpa, e mais barata, e dinheiro e energia disponíveis para o atendimento de outras prioridades.
Ganham comércio e indústria, que terão à sua disposição alternativas competitivas de serviços de lixo tratado.
Mas o que ganha sua excelência com isso? Assim, o semi-neoliberal abriu o setor à iniciativa privada, mas com a porta da entrada sendo mediada pela prefeitura.
Montou uma licitação, fixou preços, impedindo seu barateamento pela competição, e regras do jogo tais que, mais uma vez, foram beneficiadas as empreiteiras financiadoras do esquema Pau Brasil.
Denunciar, a quem? Meses atrás teve início um saudável movimento para impedir indicações políticas para o Tribunal de Contas do Município.
O movimento morreu, por falta de eco na imprensa.
As boníssimas criaturas, que vivem permanentemente preocupadas em enaltecer sua própria sensibilidade social e defender o papel do Estado na economia, não quiserem botar a mão na massa. São grandes cultuadores da unanimidade sem risco. São genericamente a favor da transparência e do sentido social do gasto público.
Genericamente e em tese, quem pode ser contra? Nem o prefeito Paulo Maluf.

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