São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
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As ovelhas negras

JOÃO BOSCO LODI

A revista "Forbes" estima que nas próximas décadas nos EUA US$ 6 trilhões serão transferidos em herança para a próxima geração de acionistas. Apesar dos 50 seminários sobre sucessão familiar hoje oferecidos por universidades e centros de treinamento, duvida-se que isso possa ter qualquer efeito prático para os sucessores.
Segundo estudo da Prince Associates de Stratford, a grande maioria dos fundadores de empresas não acredita na competência dos filhos para dirigirem o negócio.
A mesma firma realizou outra pesquisa em 749 empresas familiares que quebraram nos quatro anos seguintes à transferência do poder para a segunda geração: 97% dos herdeiros culparam os pais pela negligência em preparar a sucessão.
Recentemente algumas biografias de famílias retrataram profundos conflitos como o dos Johnsons da empresa homônima do ramo farmacêutico ou dos Scripps, a famosa dinastia que controla cadeias de jornais. As dificuldades de um consultor em relatar fatos brasileiros recentes nos levam a recorrer a matérias publicadas na imprensa norte-americana. Em 6 de dezembro de 1993, a revista "Forbes" publicou matéria sobre conflitos legais entre herdeiros de grandes empresas.
A Dart Container é uma conhecida fabricante de copos plásticos com renda anual de US$ 475 milhões. Tom Dart, o filho mais velho, está movendo ação contra seu pai no valor de US$ 265 milhões, acusando-o de falsificar o testamento deixado pelo avô para um "trust" que beneficiava o neto.
Seu pai e o irmão mais novo justificam a alteração do testamento devido à vida extraviada de Tom: operações falidas no ramo de petróleo, casamentos fracassados e uso de drogas. Os Dart são conhecidos no Brasil como credores de parte de nossa dívida externa.
Curtis Carlson, 79 anos, bilionário, fundador da Carlson Cos. que fatura US$ 2,3 bilhões por ano, elevou sua filha Marilyn a Vice-Presidente e herdeira, para logo em seguida desautorizá-la e humilhá-la publicamente.
A família que controla a rede de lojas de departamentos Belk's (US$ 1,7 bilhões de vendas) também passa por grave conflito entre os seis irmãos. Nos últimos 40 anos, desde a morte do fundador em 1952, os seis herdeiros não têm feito nada senão brigar nos tribunais. O mesmo comportamento está, agora, envolvendo também a terceira geração.
Os quatro irmãos Koch, herdeiros da Koch Industries (US$ 20 bilhões de vendas), a maior empresa privada de petróleo, terminaram o seu conflito nos tribunais em 1983 quando dois irmãos compraram a parte dos outros dois. Mas depois surgiu uma denúncia dos irmãos que saíram sobre uma fraude feita pelos sócios remanescentes com terras indígenas, levando novamente a firma para os tribunais.
Quando o fundador Joseph Gallo criou a famosa vinicultura da Califórnia não imaginava que os seus três filhos pudessem se processar, expulsando o mais novo. Agora, Ernest, o filho mais velho do fundador, dirige a empresa (US$ 1 bilhão) sem sucessor à vista e com quatro herdeiros.
Outro conflito de irmãos está começando a ficar feio na Maritz, uma empresa de marketing de incentivos que fatura US$ 549 milhões. A guerra tem consistido em uma irmã destituir os outros irmãos do conselho e vice-versa em sucessivas batalhas nas assembléias de acionistas.
Os irmãos Onanue da Goya Foods de Porto Rico (US$ 450 milhões) também estão em litígios legais quase contínuos desde 1974.
O conflito é mais provável na segunda ou terceira gerações entre dois irmãos com partes acionárias iguais, chegando a impasse nas decisões. Trabalhar junto pode ser uma experiência compensadora, porém, as forças naturais operam de modo que essa sociedade seja um dos mais odiados e horrorosos capítulos da vida.
O tamanho não é o determinante do conflito, pois há famílias pequenas em briga e outras numerosas em paz. Temos que buscar as causas nos comportamentos e valores, instalados desde a infância. A busca da harmonia, o trabalho em equipe e a decisão por consenso não são qualidades naturais mas habilidades treinadas.
1. Falta de confiança. Quanto mais se escondem informações ou aumentam os atos de desconfianças mais crescem as barreiras. A comunicação deve ser livre e constante para que cada um considere o outro seriamente.
2. Comportamento infantil. Desde crianças os irmãos costumam pregar peças levando o outro ao extremo da raiva. Agora adultos, ambos sabem como apertar esses "botões vermelhos".
3. Incompatibilidade. Os irmãos crescem com estilos de vida muito diferenciados e até imcompatíveis, provocando comparações desfavoráveis. O remédio é a tolerância e a constante busca das áreas de compatibilidade.
4. O ressentimento aumenta com atos de desrespeito ou porque um acumulou mais riquezas ou tem mais status social. Esta barreira é vencida quando as diferenças individuais são aceitas e até elogiadas em público.
5. Tentativa de controle. Quando um tenta controlar o outro ou a empresa contra a vontade do sócio a relação pessoal se deteriora, produzindo uma sensação de perda de domínio sobre o patrimônio. O remédio está na transparência das informações e das auditorias internas.
6. O ciúme é o pecado mortal das famílias. Esse desagradável sentimento é vencido quando cada um aceita suas diferenças e tem um profundo reconhecimento de cada individualidade.
7. Competição. Há irmãos competindo pela glória, pelo controle ou pela posição principal. Quanto mais competitivos mais magoados. A cooperação exige reconhecer a complementaridade, saber dar e receber.
Nos jogos da infância, o espírito de equipe e a interdependência nem sempre foram valores instilados pelos pais.
Quando descobrem a sinergia entre si, os irmãos têm pela frente toda uma vida de alegrias a compartilhar. Se isso não acontece, imagine-se a felicidade que esses US$ 6 trilhões farão para os advogados de tribunais nos próximos decênios a uma taxa de 20% de emolumentos legais.

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