São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 1994
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Causa própria

A Câmara está prestes a votar projeto de lei permitindo a dedução, no Imposto de Renda, das doações às campanhas eleitorais. Se a matéria for aprovada –o que parece provável, já que existe um acordo de lideranças nesse sentido–, representará uma flagrante deturpação dos princípios que devem reger a concessão de benefícios fiscais.
Não se trata, com efeito, de dinheiro que deixa de ir para o fisco para ser aplicado diretamente em obras e atividades de interesse público, como eventos culturais ou instituições de assistência social. Trata-se, isto sim, de dinheiro investido em opções políticas particulares –sejam estas de empresas ou de pessoas físicas–, e que portanto deve sair exclusivamente do bolso do próprio autor da opção.
Deduzir do Imposto de Renda esse tipo de contribuição equivale a fazer o conjunto da sociedade pagar pela escolha político-partidária de alguns. Isso por si só já seria um atentado à justiça fiscal, uma agressão à idéia de igualdade entre os cidadãos e uma quebra do preceito de que cada indivíduo deve assumir os ônus de sua ação política.
Mas a eventual implantação de tal anomalia poderá trazer prejuízos também para a própria democracia, uma vez que tenderá a acarretar o aumento do peso do poder econômico nas eleições. Um dispositivo dessa natureza agiria como incentivo ao investimento em campanha por parte dos contribuintes de alta renda e, portanto, de alto imposto a pagar. Ou seja, reforçaria a influência eleitoral das elites econômicas.
Não existe, nas democracias mais avançadas, uma forma única de disciplinar o apoio financeiro a campanhas eleitorais. Da constituição de um fundo público distribuído entre os partidos de acordo com a sua representação no Parlamento até o mero estabelecimento de limites ao volume das contribuições político-partidárias, inúmeros são os mecanismos experimentados para enfrentar essa complexa questão.
Nenhuma fórmula se provou infalível até agora, mas certamente a que a Câmara está na iminência de aprovar é a menos admissível. Em vez de buscar o benefício público, responde claramente a interesses fisiológicos de congressistas apreensivos com a retração das contribuições de campanha de empresários.
Ainda há tempo para que os deputados percebam a gravidade da decisão e rejeitem o projeto –se quiserem evitar que o eleitorado, oportunamente, os rejeite.

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