São Paulo, terça-feira, 21 de junho de 1994
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Rubén Blades vence a disputa nos palcos

CARLOS CALADO
ENVIADO ESPECIAL A ARUBA

Foi um reencontro muito especial. Há nove meses afastado dos palcos, o cantor, compositor e ator panamenho Rubén Blades, 45, fechou ontem o primeiro fim-de-semana do 7º Aruba Jazz & Latin Music Festival.
O popular "rei da salsa" retomou sua carreira artística depois de concorrer à presidência do Panamá, no mês passado, terminando em terceiro lugar. "O que a mídia não tem falado é que meu partido, o Papa Egoro, foi o segundo mais votado. Somos a segunda força política do país", disse à Folha.
Afirmando que sua atuação política é um "desdobramento orgânico de sua música, Blades diz que não vai abandonar nenhuma das duas carreiras. "Sou o único político de meu país que não vive da política, ou de vantagens originadas por ela. Ganho a vida com a arte." Leia, a seguir, trechos da entrevista:

Folha - Fora o fato de ter sido influenciado pela bossa nova e a MPB dos anos 60, como você se relaciona com a música brasileira mais contemporânea?
Rubén Blades - Me interesso muito, mas a informação que chega a mim é bastante inconsistente. Algum tempo atrás, João Bosco e Caetano Veloso cantaram comigo em um concerto muito bonito, na Espanha.
Não tenho quase informações sobre os músicos mais novos. Em geral, fico com os de sempre: Maria Bethânia, Gal Costa, Milton Nascimento, Djavan. Também tive o prazer de conhecer Martinho da Vila, em Nova York.
Folha - Seu envolvimento com a política lembra o caso de Gilberto Gil. Você também sofreu algum tipo de preconceito pelo fato de ser um artista concorrendo a um cargo público?
Blades - Sim e não. Por um lado, o povo necessita ter garantia não apenas da existência de planos, mas também da capacidade de governar.
As estruturas na América Latina ainda são feudais. Uma partidocracia controla tanto o aspecto político como o econômico do país.
As pessoas podem aceitar a originalidade e a validade de uma proposta, mas também se perguntam se você e seu grupo poderão governar o país e melhorar sua situação.
O meu caso e o de Gil são diferentes por várias razões. Não podemos comparar a realidade complexa do Brasil com a do Panamá, que é um país de 1,5 milhão de habitantes.
Folha - Alguns anos atrás, você reclamava de que só o convidavam a fazer papel de traficante de drogas no cinema. Essa situação já mudou?
Blades - Essa mudança é muito lenta. Em geral, a indústria cinematográfica e a TV norte-americana ignoram a realidade latino- americana. Os papéis são medidos pelos estereótipos de quem escreve ou produz.
Folha - Um preconceito semelhante ao que acontece com os atores negros?
Blades - Muito pior. Atores negros como Denzel Washington ou Wesley Snipes já estão fazendo todo o tipo de papel nos EUA, mas isso não acontece com os latinos.
O talento existe, mas não a certeza entre os que produzem de que o público vai aceitar um latino no papel de herói. A menos que você seja um latino como Andy Garcia, que não tem sotaque e que se enquadra no porte de galã.
Folha - Muitas de suas letras dão a impressão de que você fez a canção a partir de uma notícia de jornal. Como é o seu processo de composição?
Blades - Não é desse modo que eu componho, mas há um pouco disso. No trabalho que fiz até hoje, há a intenção de reportar o que ocorre, a partir de um certo impacto pessoal. Acho que eu tento ser um termômetro do que outras pessoas podem pensar.
Às vezes chego a usar imagens um pouco surreais, mas para nós o surrealismo tem um sentido diferente, muito mais real. Diferentemente da Europa, na América Latina nós vivemos no surrealismo. Aqui ele é natural.

O jornalista CARLOS CALADO viaja a convite da Aruba Tourism Authority e da Vasp.

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