São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Agricultura e plano econômico

ROBERTO HUGO JANK JR.

Quando o governo lança um plano de estabilização da economia, costuma dizer que toda a sociedade deve sacrificar-se pelo bem comum. Quando o Poder Executivo veta a proposta de indexação da correção dos preços mínimos da agricultura à TR percebem-se duas coisas:
1) que o produtor rural vai bancar sozinho o aumento do custo do crédito agrícola, uma vez que contraiu dívidas com correção monetária mais 12% de juros e agora paga estes 12% de juros sobre uma variação da TR que embute, hoje, uma taxa real de 20% ao ano (sobre a URV), com previsões de subir ainda mais. Ou seja: alimento pagando variação do dólar mais 34% de juros ao ano; e
2) que os participantes da "ciranda financeira" não vão dar sua cota de sacrifício à sociedade, já que o governo não administrou o redutor utilizado no cálculo da TR de forma a livrá-la do juro real e, agora, vinculando-a à variação do CDI, parece querer reforçar ainda mais este juro real embutido. Tudo isso em benefício apenas daqueles cujo único trabalho é mandar aplicar seus recursos, não enfrentando riscos nem empregando gente.
Percebendo o problema, a saída encontrada através de acordo entre os poderes Executivo e Legislativo foi indexar a correção dos preços mínimos agrícolas também à TR, solução agora negada pelo veto presidencial.
Mas não é difícil entender que juros reais de 34% ao ano nos financiamentos da produção agrícola certamente não contribuirão para a estabilização da economia, quando entrarem na composição dos custos dos alimentos.
Aliás, este tipo de preocupação, oriunda de uma visão menos imediatista, deve ter seu mérito reconhecido à chamada "bancada ruralista".
Não esqueçamos também que o "estouro", em 1993, na venda de máquinas e implementos agrícolas foi na sua maior parte financiado pelo Finame rural do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), à taxa de TR mais 11% ao ano.
Mas o produtor rural que previa correção acrescida de 11% de juros para renovar máquinas e se tecnificar, inclusive colaborando com a tão falada "campanha do governo" para redução de desperdícios na agricultura, estará arcando com um juro pesadíssimo na quitação de seus equipamentos.
Certamente, se soubessem que o juro de 11% se transformaria em 33% com uma simples penada do governo, muitos produtores rurais não teriam financiado equipamentos agrícolas.
Portanto, é preciso senso crítico da parte do governo para que o plano não comece já a fazer água justamente pelo seu lado mais sensível: os preços dos alimentos.
Mais uma vez, é preciso esclarecer que ninguém pede ou quer subsídios para a agricultura, porém crédito para custeio de safra e investimentos, sem subsídio, é um instrumento simples de qualquer país com potencial agrícola e que quer alimentar uma população faminta.

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