São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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As águas vão rolar

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

A transposição das águas do rio São Francisco exige reflexão sobre ao menos três questões:
1) Não há excedentes de água. As áreas irrigáveis na bacia do rio não são, como referiu o ministro Aluizio Alves, de 1,6 milhão de ha; mas de 2,5 milhões de ha., segundo o Planvasf, ou de 3 milhões de ha, segundo o "Bureau of Reclamation", órgão norte-americano contratado para este fim pelo governo brasileiro; esgotando-se nessas áreas toda a capacidade de irrigação a partir do São Francisco.
Considere-se ainda que, segundo testemunho dos ex-secretários do Meio Ambiente de Brasília e Minas Washington Novaes e Otávio Elísio, alguns afluentes já começam a secar pelo uso indiscriminado de pivôs centrais, entre os quais o Gorotuba e o Verdão.
O próprio ministro da Fazenda –quando exercia a pasta do Meio Ambiente– declarou em Seminário do Instituto Acqua, no Rio de Janeiro, que "o São Francisco está ameaçado de deixar de ser um rio perene".
Considere-se finalmente, a partir de depoimento qualificado do técnico da CHESF, João Paulo Aguiar, que, com a exploração de rios temporários e águas subterrâneas, está comprovado que Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí podem irrigar mais 250.000 ha, além das áreas já hoje atendidas.
O próprio estudo do Consórcio Hidroservice-PRC (que forneceu os dados usados pelo ministro) refere que só os rios Paranhos, Apodi e Jaguaribe podem irrigar hoje 130.000 ha.
Com o que é legítimo concluir que nem há sobra de água, nem essa água é indispensável à irrigação das áreas para as quais o desvio do rio se dirigirá.
2) Vai-se jogar recursos fora. As obras estão orçadas inicialmente em US$ 2,2 bilhões, mas no fim os custos serão inevitavelmente maiores, como todos sabemos; devendo ser ainda consideradas as perdas econômicas com a queda na geração de energia, que representará montante equivalente a uma usina do porte da de Sobradinho. Com o que estaremos desperdiçando recursos que hoje nos faltam dramaticamente em outros espaços nordestinos.
3) Não há estudos. Só perplexidades. Não há idéia dos impactos ambientais que serão causados, descumprindo expressamente o artigo 2º, VII da Resolução 001/86 da Conama; nem houve a também necessária autorização prévia do Ibama para a obra; nem há estudos sobre quaisquer outras consequências dessa transposição: nem se sabe quem gerenciará as obras –Codevasf ou alguma nova "Estatal das Águas"; nem restou definido se custos futuros serão cobrados aos irrigantes ou acabarão ficando a fundo perdido; nem se tem garantias de uma política fundiária vocacionada para atender pequenos e médios proprietários e posseiros em um programa sério de reforma agrária e redistribuição de terras. Nada.
A única coisa de que se sabe com certeza é que os beneficiários imediatos serão os mesmos de sempre: grandes empreiteiras, fabricantes de equipamentos de grande porte, especuladores em geral e proprietários de terras. Assim, em vez de estudos que em curto tempo integrariam ao debate a sociedade civil, prefere-se a pressa alucinada na compra de equipamentos e contratação de obras que importarão dispêndios muito expressivos. Com todas as consequências de fazer isso às vésperas de uma eleição, o que certamente será apenas uma enorme coincidência.

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