São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Argentina entra com prazer na chuteira

MATINAS SUZUKI JR.
ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO

Oh! Diego Armando, que beleza, hombre! Oh! Argentina, quanta vontade de jogar! A alegria, o prazer estava nos olhos do Caniggia, do Batistuta, do Redondo, que gosta dela redondinha, redondinha.
A redenção de uma nação pela camisa de futebol. A Argentina, quando veste a sua roupa azul em torneio que vale a vida, tem uma capacidade inacreditável de superação das suas fraquezas.
A bela jornada de ontem tem um enorme valor dramático, do ponto-de-vista dos sentimentos humanos. O time argentino foi à queda. Foi às profundezas do abismo esportivo e humano.
Maradona, condenado e humilhado. Caniggia, condenado e humilhado. O time, humilhado e pisoteado em casa pela Colômbia. Mas esta parece ser mesmo a irredutível força portenha.
Sua gana de vencer nasce de algum velho ressentimento, de uma perfídia, de um "remordimiento" que só as maravilhosas letras dos tangos sabem contar.
Mas, além da gana, da hombridade (palavra que vale tanto para eles), a Argentina de ontem mostrava um prazer de jogar bola que poucas vezes se vê. Um futebol com o sorriso nas chuteiras.
Antes do jogo, entrevistado pelo canal de televisão esportivo americano ESPN, Diego Armando Maradona disse: "Não, não, nós não somos favoritos. Nós só queremos jogar".
E os argentinos "do it", como diz aquela maliciosa letra de Cole Porte.
Vendo os russos contra o Brasil, lembrei-me de que"Back to the URSS" era o recado dos Beatles que o mundo ouviu. "Born in the USA" foi, mais tarde, a mensagem do Bruce que não era o Lee.
Vendo tanta gente de tantos países diferentes, tantas etnias, tantos homens de duas pátrias por aqui lotando os estádios americanos e cantando o hino deste país com tanta vontade e emoção, percebo que o hino nacional dos EUA está se tornando a verdadeira "Internacional", tão sonhada pelos comunistas, em mais uma histórica ironia.
O civismo está no dia-a-dia da América. A bandeira, em todos os lugares. O hino, dessacralizado e amado, é cantado em todas as cerimônias. E, desde Hendrix, tornou-se um pop com conteúdo.
Talvez em nenhum outro lugar do mundo as infinitas magnéticas estrangeiras se sentiriam tanto em casa como aqui, nesta casa dos bravos.
Uma festa multinacional assim, multicultural assim, multirracial assim, internacional assim, só poderia ocorrer neste país assim de tantas pátrias exiladas.
*
Hoje estarei no Pontiac Silverdome, em Detroit, terra da simplesmente gloriosa Motown, a suprema, a alma negra da América, para conferir o futebol dos romenos e dos suíços.
A vulcânica ação da minha alma, como cantava aquela Aretha que anteontem à noite fez um show para a família real daqui, os Clintons e seus convidados. A alma negra na Casa Branca.
A soul music é uma das conquistas da África na América. Então, como o Ray Charles naquela gravação de que o Caetano gosta tanto, eu estarei olhando você.

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