São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Copa varre Brasil para trás da bandeira

HÉLIO GUIMARÃES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A comoção nacional despertada pelo futebol virou trampolim publicitário. Motivadas pela Copa, as propagandas que estão sendo veiculadas pela TV varrem o Brasil das balas perdidas e da corrupção para trás das bandeiras, usadas para vender bens de consumo.
Momentaneamente, abolem-se todas as diferenças. "Porque o Brasil é um só", como quer a propaganda dos cigarros Derby. Com imagens dos Estados brasileiros, habitados por gente bonita, o cigarro fala com a autoridade de quem "conquistou o Brasil".
A publicidade aproveita a euforia criada por um fator aparentemente legítimo de integração –quem há de duvidar que a paixão pelo futebol seja um dos denominadores comuns entre a maioria dos brasileiros?– para vender a imagem de um país integrado também no consumo de bens.
Nestes dias de Copa, as publicidades veiculadas pela TV deitam e rolam nessa falácia. Vendendo produtos inacessíveis a pelo menos metade da população, sugerem que bem-estar social seja fato consumado no país do futebol.
(Quem lembra, hoje, quantos são os brasileiros em estado de miséria da campanha do Betinho?)
Na TV, o Banco do Brasil veicula publicidade com o slogan: "Bom para você, bom para o Brasil". A frase supõe a identificação dos interesses de qualquer brasileiro com os do país. Noutros tempos soaria como gozação. Mas, por conta da Copa, vale tudo.
"Brasileiro torcendo por brasileiro". A frase acima seria difícil de engolir há poucos dias, quando as chacinas dominavam os noticiários. Agora, recheia um texto publicitário-poético declamado por Fernanda Montenegro.
"Segura esta bandeira, Brasil", diz a atriz. Ao fundo, tremula a bandeira brasileira e aparece o logotipo: "Bradesco seguros".
(Será que o professor que ganha CR$ 600 mil e matou três menores que tentavam roubar seu único patrimônio, um carro velho, tem seguro Bradesco?)
O país parece viver um estágio de consumo tão avançado que as cervejarias criaram produtos especiais para capitalizar a ocasião.
A "Kaiser Copa 94" deseja "Boa Sorte, Brasil" em ritmo de clipe. Meninos e meninas, recrutados em testes de agências, reúnem-se em torno de uma TV para torcer e... consumir cerveja.
A mesma "gente bronzeada" a que se refere a propaganda dos chinelos Rider.
Xuxa e paquitas também entram em campo para vender tempero, gritando "Brasil, Brasil, Arisco, Arisco". A boneca mais popular do país mistura alhos e bugalhos, Brasil e Arisco.
A Globo, por sua vez, adota slogan ambíguo: "A Globo é mais Brasil". Mais realista que o rei, "mais Brasil", a própria Globo já se encarrega de nos lembrar que tudo voltará ao "normal" e anuncia a próxima novela das oito, "Pátria Minha".
O Gilberto Braga de "Vale Tudo" e "O Dono do Mundo" aparece na patriotada geral como salvador. Aquele que nos vai lembrar, com suas Odetes Roitmans e Felipes Barretos, que o Brasil não é um só. O país precisa de uma novela para colocar os pés no chão.

Hoje, a coluna de JOSÉ SIMÃO está publicada à pág. 4-9 no caderno "Copa 94"

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