São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Drama sobre deficientes evita pieguice

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Paraplégicos no cinema são uma garantia de lágrimas, qualquer que seja a abordagem escolhida: a vitimização (em "Amargo Regresso"), a revolta ("Nascido em 4 de Julho"), o amadurecimento ("Feliz Ano Velho") etc.
O maior mérito de "O Despertar para a Vida" é justamente evitar as lágrimas ao máximo, é documentar com tanta minúcia e sobriedade quanto possível o processo de adaptação do paraplégico à vida de todo dia.
A história, segundo a publicidade do filme, é baseada em fatos reais. Um jovem escritor (Eric Stoltz) quebra a espinha nas montanhas. Na enfermaria em que vai parar conhece outros paraplégicos de origem e classe social diversa: um negro mulherengo e boêmio (Wesley Snipes), um motoqueiro de gangue (William Forsythe), um adolescente coreano.
O filme é a história do relacionamento entre esses desafortunados, cada um com seus próprios problemas familiares, seu modo particular de reagir à tragédia.
Embora no início se restrinja ao ponto de vista do escritor –cuja história toma a maior parte do filme–, o olhar dos diretores ganha aos poucos autonomia para bisbilhotar a experiência dos outros pacientes, e o resultado disso é uma espécie de painel dos problemas mais comuns aos paraplégicos.
Não há hipocrisia na escolha e no tratamento desses problemas. Estão lá a solidão, a dificuldade de fazer sexo, a incontinência urinária, a dificuldade de trabalhar, a falta de paciência dos enfermeiros, o constrangimento diante da piedade alheia...
Se a essência do melodrama consiste em inflar de música a "fatia de vida" mostrada, este filme foge ao gênero: é drama seco, praticamente sem música (e quando esta aparece, é de Beethoven, não de um Bill Conti da vida).
O que há de mais opressivo nesse drama é justamente a exposição de sua dimensão física, sensorial, mais do que sentimental. O início, nesse sentido, é exemplar: antes mesmo de conhecermos o personagem, de sabermos seu nome, vemos o mundo (ou antes: a parafernália hospitalar) de seu desprivilegiado ponto de vista.
Ao colocar-se ao nível do olho do deficiente, a câmera não apela para a nossa piedade, mas para a solidariedade, na acepção mais profunda da expressão: vínculo moral entre o indivíduo e toda a humanidade.

Vídeo: O Despertar para a Vida (Waterdance)
Produção: EUA, 1992, 104 min.
Direção: Neal Jimenez e Michael Steinberg
Elenco: Eric Stoltz, William Forsythe, Wesley Snipes
Lançamento: HVC

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