São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Filme mostra família em país que explode

FEDERICO MENGOZZI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A Itália que entrava nos anos 80 estava longe de usufruir as decantadas delícias de um "bel passe". Eram tempos em que se questionava a legitimidade do Estado, em que os extremismos de direita e esquerda se davam as mãos e dinamitavam as bases da convivência dos opostos, em que o próprio sistema político estava envolvido até o pescoço na corrupção e no tráfico de influências.
Naqueles anos, o diretor Francesco Rosi fez "Três Irmãos", uma elegia ao mito da família, mas também, e principalmente, uma alegoria sobre as Itálias que se entrechocavam, sem perspectiva. Então, problemas como a crise econômica e o desemprego conviviam com atos bárbaros de "sinistra" e "destra", como o sequestro e assassinato do ex-ministro Aldo Moro e o atentado com 84 mortos na estação de Bolonha.
"Três Irmãos", é, guardadas as óbvias diferenças de estilo e postura artística, o "Ensaio de Orquestra" de Rosi. Federico Fellini escolheu a parábola para discutir aqueles anos anarquizantes e pesados. Rosi preferiu eleger personagens-símbolos –um juiz, um operário, um educador– para representar as divergências que antepõem as pessoas dentro e fora da família, como irmãos ou cidadãos.
Rosi e Tonino Guerra, seu colaborador no roteiro, inspiraram-se livremente no conto "O Terceiro Filho", de Andrei Platonov, e contou a história de três irmãos que se reencontram nos funerais da mãe. Têm o mesmo sangue, mas idades, pensamentos e status diversos. Da mesma forma, os problemas em que estão enredados são diferentes, assim como as soluções que propõem para um país que explode.
Cineasta de mão de ferro, de emoções cartesianas e rigoroso formalismo, Rosi cedeu aos sentimentos –não confundir com sentimentalismo– e filtrou a história desses irmãos que a vida mais separar que une na figura pungente do pai idoso. A Itália em crise paira sobre a aldeia de casas brancas, comparece aos encontros de bar, está nos programas de televisão, incomoda o sono dos justos.
Difícil ver "Três Irmãos" e sair de olhos enxutos. Mais difícil ainda não se envolver naquelas discussões que, datadas dos anos 80, tanto dizem respeito aos anos 90.
"Três Irmãos" concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro – perdeu para "Mephisto", a fábula sobre a subserviência ao poder dor diretor húngaro István Szabó–, mas não chega a ser uma das obras mais contundentes do cineasta napolitano. O que não significa, em absoluto, que é um filme para se ver comendo pipocas.
Naqueles tempos de crueldade e crueza estampada na primeira página, Rosi substituiu as cores primárias pelos meios-tons e o discurso pela conversa à meia voz. O resultado é um filme recatado como próprio diretor, um autor reconhecido, mas uma antiestrela.

Vídeo: Três Irmãos
Produção: Itália/França, 1981, 111 min.
Direção: Francesco Rosi
Elenco: Philippe Noiret e Vittorio Mezzogiorno
Lançamento: Paris Filmes (tel. 011/864-3155)

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