São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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Tutsis e hutus têm rivalidade histórica

AIDAN HARTLEY
DA "REUTER", EM RUANDA

O velho livro de relatos de um viajante oferece pistas para explicar o genocídio em Ruanda. O duque Adolphus Frederick von Mecklenberg escreveu em "Into the Heart of Africa" (No Coração da África) sobre caçadas e viagens às colônias da Alemanha imperial.
Seu relato, escrito em 1910, também traz teorias sobre a superioridade racial da tribo tutsi em relação aos hutus.
"Os watutsis são um povo alto, bem-feito, com um físico quase ideal", escreveu o duque, para quem eles haviam migrado do Egito ou da Arábia.
Os hutus, em contraste, eram "os habitantes primitivos. São um povo de porte mediano, cujos corpos desajeitados denunciam a prática do trabalho árduo, e que se curvam em abjeta servidão à raça que chegou mais tarde, mas que os domina: os watutsis".
Os refugiados tutsis têm chegado ao Burundi com todos os dedos das mãos decepados. Alguns dos esguios cadáveres de tutsis que encalharam nas margens do lago Vitória têm seus pés amputados.
Indagado sobre o motivo de tantos cadáveres terem sido atirados no rio Akagera, o rebelde tutsi Evariste Buregeya respondeu: "Eles querem que nossos corpos flutuem de volta para o lugar de onde viemos, o Egito".
A aristocracia feudal dos pecuaristas tutsis já reinava sobre os lavradores hutus antes de os alemães assumirem o controle do que hoje é Ruanda, no final do século 19.
Tutsis e hutus sempre falaram a mesma língua, tiveram a mesma religião e frequentemente fizeram casamentos mistos. Muitos ruandeses dizem que as divisões em sua sociedade eram apenas de classe, não de origem étnica, e que um hutu rico podia "tornar-se tutsi" com uma cerimônia.
Os alemães preferiam governar indiretamente, através dos tutsis. O sistema estava enraizado quando a Alemanha perdeu seu domínio, ao fim da 1ª Guerra Mundial, e a Bélgica tomou Ruanda.
Historiadores dizem que com o colapso do sistema colonial os tutsis tiveram acesso à educação ocidental, especialmente por meio da igreja. Isso pode explicar por que tantas igrejas têm sido alvejadas.
Nos anos 50, intelectuais tutsis começaram a pedir a independência. Os belgas passaram a apoiar políticos hutus, cuja preocupação era pôr fim ao domínio tutsi.
Os tutsis reagiram com a matança de hutus –que causou uma revolta na qual dezenas de milhares de tutsis foram massacrados.
A Bélgica não interveio e se livrou da responsabilidade ao dar independência a Ruanda, em 62.

Tradução de Clara Allain

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