São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 1994
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O impossível acontece

ANTONIODELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
As recentes análises do comportamento da sociedade brasileira durante o período autoritário (1964-84) mostraram que ainda não foi absorvida a idéia de que o regime entrou em estado terminal em 1979 e que, de fato, foi enterrado em 1982.
As análises econômicas revelaram, mais uma vez, a tendência a manipular modelos construídos com hipóteses arbitrárias e a contrabandear para a "vida real" as conclusões por ela sugeridas.
As análises políticas e históricas revelaram uma particular fraqueza. De um lado, foram até a invenção pura e simples da história, mostrando como estamos longe da pesquisa objetiva, entendida como um razoável compromisso de não-engajamento. De outro, deliraram em torno de complexos modelos políticos, esquecendo que o que nos faltou foram instituições que nos levassem da "ordem demais" à "ordem" e não à "anarquia".
Uma visão global do período 1964/85 pode ser vista no quadro abaixo:
Por que é preciso comparar a performance brasileira com a dos outros? Porque é assim que tem que ser, uma vez que a eficácia de uma política se mede pelas "testemunhas" sujeitas às mesmas restrições externas.
O resultado no período de 1965/80 foi bastante razoável. Com uma taxa de crescimento de 6,3%, a renda "per capita" no Brasil dobraria a cada 11 anos. A do México dobraria a cada 22 anos. E a da Argentina e Peru, a cada 40 anos! O resultado inflacionário não foi brilhante (30% ao ano!), mas se compara sem grande vexame com os demais.
No período 1980/85, todos os países tiveram queda na renda "per capita" e todos aumentaram dramaticamente o seu endividamento externo e suas taxas de inflação. A performance brasileira foi, de novo, a melhor em matéria de crescimento. Nossa renda "per capita" decresceu 1% ao ano, enquanto a Argentina perdia 3%, o México, quase 2% e o Peru, quase 4%! E em matéria de inflação estávamos bem melhor do que a Argentina.
A dívida externa brasileira, comparada com o seu Produto Interno Bruto, era a menor dos quatro países. Em 31 de dezembro de 1984, devíamos 38% do PIB (importando mais de 70% do consumo de petróleo no período), enquanto a Argentina e o México (auto-suficientes) deviam quase 60%!
A Nova República recebeu o país funcionando e sem nenhum controle de preços. Em 1984, a inflação estava estabilizada no indecente nível de 220% ao ano, sem maiores pressões externas que dificultassem a sua redução. E a economia retornara ao crescimento. O que faltou, depois, foi administração e um mínimo de organização política!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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