São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Ministro sul-africano dá conselhos a Lula

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO CABO

"É mais fácil ganhar a eleição do que governar um país".
Essa lição de prudência foi ministrada ontem ao candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia de sua visita à África do Sul.
O autor da frase sabe do que está falando. É Jay Naidoo, de origem indiana, atual ministro sem pasta encarregado da implementação do ambicioso PRD (Programa de Reconstrução e Desenvolvimento).
O PRD foi a grande bandeira eleitoral do CNA (Congresso Nacional Africano), liderado por Nelson Mandela, e se assemelha muito às promessas de campanha do PT no Brasil.
Naidoo recebeu Lula e a comitiva petista no prédio do Parlamento sul-africano, na Cidade do Cabo (1.300 km a sudoeste de Pretória). E deu também a receita do CNA para a obtenção de recursos necessários ao programa de campanha.
"Não se trata de acrescentar recursos aos já existentes, mas de reorganizar as prioridades. Em vez de comprar um novo tipo de avião para as Forças Armadas, usar os recursos para criar empregos, construir casas, dar educação", recitou Naidoo.
À saída, Lula disse que sempre teve a mesma idéia de que ganhar a eleição é mais fácil do que governar.
Quanto ao Orçamento, o candidato do PT também concordou em parte com Naidoo.
"Quando quis, o Fernando Henrique conseguiu criar um fundo de US$ 20 bilhões", afirmou Lula, em referência ao FSE (Fundo Social de Emergência), um dos pilares do Plano FHC. O FSE simplesmente redireciona recursos, sem criar novas fontes de renda.
"Governar é transformar o sonho em realidade", completou o candidato petista.
Mas Naidoo advertiu Lula de que a transformação não é nada simples, ao falar das armadilhas que cercam um movimento que fica a vida toda na oposição e de repente chega ao governo, caso do PT se ganhar em outubro.
"Sempre há o perigo de sermos absorvidos pelo sistema. Há uma enorme pressão do establishment para que nos conformemos com os privilégios", disse o ministro sul-africano.
Que o perigo é enorme, atestou-o na noite anterior, em jantar com Lula, outro ministro, o comunista Joe Slovo, responsável pela pasta da Habitação.
"Há dias em que abro o jornal e, ao ler as notícias, me vejo perguntando o que esses cretinos do governo estão querendo fazer agora. Só depois me dou conta de que, agora, o governo somos nós".
O jantar colocou à mesa da comitiva do PT mais quatro ministros sul-africanos (Justiça, Telecomunicações, Administração e Jay Naidoo, sem pasta), além do vice-ministro de Finanças.
Pólo diplomático
Duas autoridades sul-africanas mencionaram a Lula a hipótese de se criar um novo pólo diplomático, no caso de o PT ganhar a eleição.
"Se Lula ganhar, o padrão de relacionamento com o Brasil poderá criar um novo pólo no Sul para negociar com o Norte", disse o ministro Jay Naidoo.
Foi em jantar anteontem, conforme reproduzido por Marco Aurélio Garcia, coordenador do programa de governo do PT.
Ontem pela manhã, o vice-ministro de Relações Exteriores, Aziz Pahad, repetiu a proposta, desta vez diante dos repórteres.
"Devemos incrementar as relações Sul/Sul não para um confronto com o Norte, mas para negociar", disse Pahad.
Sul, no jargão diplomático, designa os países em desenvolvimento, em geral situados no Hemisfério Sul. Norte, obviamente, são os países ricos, quase todos eles no Hemisfério Norte.
Antes de imaginar esquemas internacionais mais ambiciosos, no entanto, os sul-africanos estão interessados em ampliar as relações com o Brasil, seja qual for o futuro presidente. Os ministros que jantaram anteontem com o pessoal do PT deixaram claro que o Brasil é um mercado atraente.

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