São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O festim dos brancos

LUÍS NASSIF

Dois episódios desta semana demonstram que, mesmo com a quebra do Estado, com a falta de recursos para o atendimento de necessidades básicas da população, prossegue esse grande festim dos brancos –financiado pela negrada.
O primeiro episódio é a proposta indecente formulada pelo secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo, Roberto Muller, de aumentar a participação das universidades estaduais no bolo orçamentário.
As universidades paulistas conquistaram autonomia financeira em 1986. Comportaram-se com a maior irresponsabilidade possível. Incharam o corpo de funcionários, fizeram obras grandiosas, permitiram muitas vezes que sua estrutura fosse utilizada para serviços privados dos próprios professores.
Em geral, são organismos amorfos, sem capacidade de reação, sem empenho em buscar a inovação administrativa. Fecham-se em guetos, onde vale mais a influência política do que o mérito acadêmico. Tratam o dinheiro público como se fosse direito divino, que os desobriga de prestar satisfações sobre seus gastos.
Em geral, há um clima de frustração dos quadros mais comprometidos com a pesquisa acadêmica, que vêem seu espaço minguar em favor dos segmentos que se limitam a atuar politicamente.
Em alguns campi, a politização ampla gerou alianças espúrias entre reitores, professores e funcionários, onde utilizaram-se vantagens funcionais como instrumento de barganha política.
Agora, quando o impasse com o orçamento poderia obrigar a universidade a se ajustar, a buscar soluções internas, volta-se à velha fórmula de utilizar recursos públicos para financiar mais uma vez a incompetência e a falta de vontade.
O governador Luiz Antonio Fleury Filho não tem o direito de dispor de dinheiro público dessa maneira.
O caso Varig
O segundo episódio é o caso Varig. A empresa é uma estatal carregada de penduricalhos. Padece de esclerosamento múltiplo do sistema de poder interno, que tem impedido qualquer ajuste mais substancial.
Dispõe de um corpo de 25 mil funcionários que, pelas estimativas de técnicos do setor, teria que ser reduzido para 15 mil.
Quando começaram as demissões, percebendo que não levariam a lugar algum, à medida que não se mexia com as causas estruturais da crise da companhia, associações de funcionários procuraram interferir no processo para que ao menos o sacrifício não fosse em vão.
Utilizou-se o álibi para a montagem de uma câmara setorial onde, pelo que foi anunciado, este governo magnânimo, que não dispõe de verbas para reduzir a mortalidade infantil, pretende entregar US$ 100 milhões à companhia e oferecer facilidades para o pagamento de impostos.
Não é por aí.
A empresa não será salva entregando-se mais US$ 100 milhões de mãos beijadas para ela. O que precisa se fazer é claro e óbvio, menos para aqueles que tratam o dinheiro público como um enorme fundo perdido:
1) Romper o sistema de poder interno. Privatize-se a companhia. Venda-se seu controle para fundos de pensão, investidores privados, que rompam com o esquema de dominação interna, que a transformou em uma grande estatal a serviço de uma elite de funcionários.
É fundamental esta diferenciação entre controladores e dirigentes para recolocar a questão da rentabilidade como objetivo final da companhia.
2) Acerte-se um rigoroso processo de ajuste interno, negociando decentemente as demissões que precisam ser feitas, assegurando direitos, cursos de reciclagem, mas principalmente oferecendo a garantia aos que ficarem de que a empresa vai sobreviver.
3) Quanto ao empréstimo, sugere-se que os brigadeiros do DAC utilizem sua poupança pessoal para tanto –não o dinheiro do contribuinte.

Texto Anterior: Cesta básica sobe menos na segunda semana em São Paulo
Próximo Texto: Fazenda chama fabricantes para explicar os aumentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.