São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Jovens artistas expõem no Centro Cultural SP

CARLOS UCHOA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais uma vez o Centro Cultural São Paulo surpreende com o sangue novo trazido pela segunda mostra de jovens artistas selecionados este ano.
Rito de passagem obrigatório no circuito, a exposição abre hoje com seis estreantes e dois convidados de ótima qualidade, que, mantendo o nível de anos anteriores, fornece uma boa amostragem do que está sendo produzido pela novíssima geração.
O espaço se divide de modo a apresentar oito individuais simultâneas. Não há uma poderosa linha mestra, mas as produções estabelecem diálogos transversais.
Um primeiro núcleo evidente é o que reúne Rosana Monnerat, Rosana Paulino e Márcia Xavier. As três partem de uma vivência muito pessoal do trabalho, inclusive com referências a seus próprios corpos. Valorizam experiências íntimas e tratam do universo feminino, mas usando mídias diferentes.
Monnerat faz pequenas gravuras e pinturas, onde o próprio gesto cortante do desenho registra como que em cicatrizes imagens complexas que começam por auto-retratos. Tudo começa com o espelho, mas as resultantes plásticas são imagens fortes, arquetípicas.
Márcia Xavier também usa auto-retratos, mas feitos com polaróide, incidindo sobre partes do corpo tomadas em ângulos estranhos. Em seus trabalhos um olho sonâmbulo parece querer desvendar o mistério desse outro corpo ectoplasmático, mais real que a própria forma e substância visível.
Rosana Paulino reelabora sua memória pessoal e familiar multiplicando velhas fotos em objetos que juntam estereótipos femininos e uma certa religiosidade.
Em seus "Estandartes" ou nos "Patuás", ela questiona a imagem fossilizada das fotos e a identidade pessoal e coletiva. Excluindo-se das imagens, ela se coloca como o sujeito oculto para o qual conflui a poética de prospecção cultural.
Como prospecção pictórica, a mesma identidade é questionada por Albano Afonso, que sobrepõe obsessivamente silhuetas coloridas de mapas em seu "Assim na Terra como no Céu". Jogando com a própria visão virtualmente aérea do mapa, o artista inverte a posição habitual da pintura, instalando-a no chão, o que a torna mais estranha e inapreensível.
Elias Muradi faz surgirem espacialidades que se dão por ausência, reduplicando recortes e ondulações captadas na própria natureza do papelão. Essa brechas se marcam quando o papel é impregando por parafina, dando, por transparência, uma contrapartida luminosa ao fenômeno tátil.
Os dois artistas convidados, o mineiro Fernando Lucchesi e a carioca Inês de Araújo exploram os limites de modalidades opostas.
Lucchesi trabalha, com suas esculturas em ferro, as fronteiras cênicas. Araújo enfrenta os dados inelutáveis da pintura. Procurando ter controle sobre todas as operações pictóricas para investigá-las, a artista usa recortes e decalca papéis pintados sobre a superfície trabalhada. Cria com isso uma estruturação dinâmica, aberta, sem uma rígida hierarquização geométrica. Apenas cadencia suas regiões de cor, fazendo espécies de radiografias da trama pictórica.
O casamento de tantas poéticas e linguagens diferentes acabou por criar acordes harmônicos que garantiram o bom conjunto da mostra. Alenta ver novos caminhos se abrindo, construídos com muita verdade pessoal; não é uma produção diluída, onde tradições aguadas se repetem.

Exposição: 2ª Mostra de Selecionados 94
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, Paraíso, São Paulo)
Quando: Abertura hoje, 19h. Até 24 de julho. De terça a domingo, das 9h às 22h.

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