São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Globo perde toque de Midas em especial

NELSON ASCHER
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não há dúvida de que, nos limites de um especial de terça-feira, a Globo investiu pesado em "O Coronel e o Lobisomem". Ainda assim, não deu certo. Por quê?
Talvez a resposta esteja no excesso de autoconfiança da emissora. Ela parece crer que dispõe do toque de Midas, ou seja, que é capaz de transformar tudo em ouro com sua produção. Assim, roteirizou uma história em princípio atraente, selecionou a dedo alguns de seus melho res comediantes, investiu em locações, não economizou nas externas, caprichou nos efeitos especiais e optou por uma filmagem rebuscada e cara de cinema ou publicidade.
Nenhuma outra emissora brasileira pode se dar ao luxo de jogar tantos recursos num programa de uma hora. Nada disso basta, contudo, nem para garantir seu sucesso nem para encobrir as falhas prévias, estruturais.
A principal delas é o próprio roteiro: a história não está amarrada, e vários episódios são carregação dispensável; em nenhum momento se cria qualquer tipo de suspense ou expectativa nem se constrói tensão dramática entre os personagens. Esse último item cancela a qualidade dos atores.
O texto das falas procura ser engraçado, mas imita apenas superficialmente o vocabulário do autor, esquecendo-se de lhe acrescentar coisas óbvias como um sotaque acaipirado. Os atores não dialogam, limitando-se a declamar seus monólogos diretamente para uma platéia, como se tivessem acabado de decorar o texto e não existissem microfones. Seu desempenho é também, no geral, preguiçoso, e uma atriz como Patrícia Pillar se deixa ficar na falta de ação feito peça de mobília ou enfeite.
Marco Nanini é um "miscast": nenhuma de suas virtudes de cômico urbano poderia emergir nesse papel que precisa de uma mistura de Lima Duarte como Paulo Cesar Pereio. Paulo Vilela, com seu pescoço engessado há muito tempo, não consegue ser diferente de si mesmo nem debaixo de bigodinho e óculos escuros. Pedro Paulo
Rangel encarna bem o caipira mineiro, e Paulo Betti se mostra um almofadinha correto, mas nada disso é muito aproveitado.
Na narrativa em "flashback" e "flashforward", passado, presente e futuro não se iluminam nem se contrapõem entre si, de modo que a técnica se revela meramente
ornamental. Apenas no tribunal, durante o julgamento, é que emerge alguma ação –ou seja, no mais televisivo dos cenários.
O pecado central se encontra, portanto, no excesso de fé depositado na cinematografia e nos efeitos especiais. Tudo isso é rico, até demais, para a televisão, mas é pobre em termos de cinema. A Globo pode competir com a Bandeirantes ou o SBT e levar vantagem sempre. Diante de Hollywood, porém, ela é uma indigente.
Não há como superar as emissoras competidoras com recursos cinematográficos sem suscitar comparações desfavoráveis com produtos da indústria do cinema. E a confiança cega nesses recursos fez a Globo abrir mão dos elementos indispensáveis que um especial de televisão requer para dar certo: história de verdade, texto eficiente, bons diálogos e direção segura dos atores.

A coluna de JOSÉ SIMÃO está publicada hoje no caderno "Copa 94"

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