São Paulo, quinta-feira, 23 de junho de 1994
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Por que Lula usou Mandela

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Até agora foi o mais competente lance publicitário da sucessão presidencial. Luiz Inácio Lula da Silva cruzou o oceano Atlântico para usar a imagem de Nelson Mandela e mandar um recado ao Brasil –um recado decisivo em sua campanha.
Óbvio que Lula não cruzou por quase oito horas o oceano para aprender sobre transição na África do Sul. Ele quis aproveitar a imagem de conciliador de Mandela e transmitir a promessa de que, se eleito, vai dividir o poder com outros partidos –citou PSDB, PDT e PMDB. Vamos entender.
Há um temor em amplos setores da opinião pública (justificado, diga-se) de que, caso eleito, Lula fique isolado. De um lado, cercado das estupendas promessas de campanha do tipo fazer a reforma agrária numa "canetada", colocar todas as crianças nas escolas ou dar três refeições a todos os brasileiros. Natural que, em pouco tempo, apareça uma considerável dose de frustração.
De outro lado, a desconfiança de setores empresariais, convencidos de que Lula é "inexperiente" e "despreparado", encantado com idéias "ultrapassadas". Antes de ir para África do Sul, por exemplo, atacou mais uma vez a Fiesp. Disse que a entidade tinha interesse em eleger um presidente corrupto. Daí suas altas taxas de rejeição encontradas em pesquisa Datafolha.
Entre esses dois focos de pressão estaria um presidente com minoria no Congresso e, talvez, apenas com um único governador eleito pelo PT –até agora o único favorito no Espírito Santo.
A suspeita inevitável, inclusive entre assessores mais lúcidos de Lula: há o risco de crise atrás de crise. Dissemina-se o medo de que será uma administração instável. Largos setores da opinião pública, segundo as pesquisas, têm demonstrado um cansaço com experiências; querem estabilidade. Nesse espaço, Fernando Henrique Cardoso apresenta-se como alternativa "confiável".
Aí aparece a importância do recado de Lula, transmitido do outro lado do Atlântico. Mandela deve ser visto como modelo, já que incorporou os brancos a seu governo em nome da paz social e política. Lula aproveitou pata tentar fixar a imagem de que, a exemplo do estadista sul-africano, pretende dividir o poder para governar, costurando uma coalizão.

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