São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 1994
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Programas poloneses derrubam mitos comunistas

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por mais que se fale tanto em fenômenos de mídia como a transnacionalização e a aldeia global, temos acesso a muito pouco do que se produz em televisão no mundo.
Qual a frequência por exemplo da exibição de programas poloneses na televisão brasileira –se é que algum já foi exibido? O que não dizer de programas poloneses feitos sobre outros países do Leste?
É o caso do documentário "The Russian Striptease" (A Stripteaser Russa), dirigido por Andrzej Fidyk e exibido no Input-94 (festival de televisão pública), em Montreal (Canadá).
Fidyk escolhe temas ardidos ao mundo comunista. Seu trabalho de 1989 "The Parade" (A Marcha) sobre o culto à personalidade, o totalitarismo e as manifestações de massa na Coréia do Norte é provocador. Seu retrato da explosão de sexualidade porno-erótica na Rússia pós-Gorbatchov também.
No primeiro somos apresentados aos museus, aos livros escolares, à professores e alunos, a outdoors e filmes de propaganda oficial de um dos regimes mais fechados do século.
Através dessas diferentes perspectivas percebe-se como o mito do ditador foi sendo criado e perpetuado. Acompanha-se os mecanismos através dos quais a interpretação oficial do mundo se naturaliza.
"The Russian Striptease" atribui a fixação pelo flerte, o romance, o sexo e a pornografia na Rússia contemporânea à falta de espaço para o assunto durante o regime comunista.
O vídeo não se cansa de mostrar corpos nus. Registra as filas nas portas das agências que selecionam modelos pornográficos, leva o espectador às aulas de dança que as meninas candidatas frequentam, entrevista velhinhas que não se escandalizam apesar de revelarem que nunca ficaram nuas diante de seus maridos, mostra o trabalho e opiniões de uma jovem artista plástica que busca recuperar sua cultura pintando telas eróticas.
As pessoas entrevistadas afirmam que o flerte não tinha lugar na vida sexual da Rússia proletária, o sexo não deveria ser praticado com muita frequência, ou até que a sexualidade era governada pelas normas de classe. Agora ele é mais que legítimo.
Os documentários desse polonês barbudo de ar meio perdido têm uma finalidade imediata óbvia de desmanche ideológico. Mas há algo no seu trabalho que vai além desta leitura conjuntural.
Os dois documentários têm um estilo semelhante. Ambos prescindem da voz narradora e explicadora em off.Ambos vão montando uma narrativa a partir do ponto de vista de pessoas e imagens diversas.
Mas, mais que isso, ambos tratam de práticas cuja persistência assombra o final do século 20. Afinal, ao invés das sociedades ordenadas pela razão científica do sonho iluminista, nos deparamos com o excesso de mito, sexualidade e pornografia.

A coluna de JOSÉ SIMÃO está publicada hoje no caderno "Copa 94" pág. 4-10

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